Recebi isso de um amigo com trânsito entre os militares e entre os controladores de Brasília. Pesquisei nos sites dos jornais e nada achei com esse conteúdo. Imagino que muitos dos passageiros que passaram um inferno na sexta-feira passada, 30 de abril de 2007, gostariam de saber o que gerou o seu calvário e de como o país viveu a pior crise institucional das últimas décadas, com o Planalto e os militares pela primeira vez, na era democrática, em lados opostos. Não tenho como atestar a veracidade de todas as informações - a credibilidade das fontes é garantida - mas que a história aqui relatada e os detalhes sobre os bastidores do maior colapso da aviação brasileira batem, isso batem. Os 100 dias do governo Lula entrarão para a História como um desastre político.

            "Quarta-feira 21 de março, 20 horas. O ministro da Defesa, Waldir Pires, chega ao bar Azulejaria, um dos mais badalados de Brasília, para um encontro secreto com sete sargentos controladores de vôo. Eles haviam solicitado audiência formal, mas Waldir explicou que não queria confusão com o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito (Nota do editor: faz sentido, porque Pires já tinha enfrentado enorme desgaste com o antecessor de Saito, brigadeiro Luiz Carlos Bueno, ao receber uma comissão no ministério) .

            Por isso, propôs o encontro heterodoxo. Marcou no apartamento de um assessor, mas faltou luz. Acabou num bar, tomando vinho e cerveja com os sargentos. Pires disse que não havia a mínima chance de se concretizar, com menos de dois anos, a desmilitarização reivindicada pelos controladores. (Nota do editor: esse prazo já era de conhecimento público desde que o assunto começou a ser debatido. A real causa da greve, como será mostrado adiante, é outra).

            “Tememos que essa informação chegue ao restante da tropa”, avisou um dos sargentos. “A revolta vai ser grande.” Waldir saiu. Os sargentos ficaram. Ali mesmo, foi decidida a radicalização.

            Sexta-feira 30 de março, 6h. Agentes do Centro de Inteligência da Aeronáutica observam a chegada dos controladores ao Cindacta 1, em Brasília. Eles sabiam que naquele dia haveria um movimento radical. Mas o comandante Saito não avisou o ministro Waldir (Nota do editor: a paralisação era prevista e havia se tornado pública a intenção dos controladores. Não sei até que ponto o ministro dependia dessa confirmação ser dada pelo brigadeiro). O movimento começou quando entrou o turno das 14h. A turma anterior não saiu e iniciou uma greve de fome. Às 17h, o caos era completo. Waldir chegou ao aeroporto, deu entrevistas dizendo que estava tudo bem e embarcou para o Rio. Foi o último a decolar. O ministro Paulo Bernardo era o único em Brasília.

            Brasília, 18h37. Os controladores invadiram a sala de controle e tomaram todas as posições. Dentre eles, três dos que estão sendo investigados por suspeita de falhar no acidente do vôo 1907 da Gol (Nota do editor: oficiais da Aeronáutica com acesso ao inquérito militar já haviam me dito que o movimento é, na verdade, para impedir que haja incriminação penal no caso do desastre pela investigação da Polícia Federal. Os três profissionais citados estão diretamente implicados na sequência de erros que culminou no choque entre o Legacy e o Boeing 737-800. Um deu a instrução errada, permitindo que o jatinho, antes de passar por Brasília, seguisse a 37 mil pés, na "contramão", até Manaus. Os outros dois cometeram erros de procedimento ao perceberem que o jato executivo não tinha o transponder ligado, confiando em informações secundárias que são menos precisas, Os três não têm tanta responsabilidade quanto os pilotos americanos, mas geraram algumas das condições para que a colisão ocorresse).

            O caos se alastra para os centros de controle aéreo de Manaus, Recife e Curitiba. Um oficial entrou e avisou que o comandante da unidade, coronel Carlos (Vuyk) Aquino, queria falar com os líderes.

            “Se ele quiser, então que venha aqui”, respondeu um sargento.

            Minutos depois, Aquino foi lá e perguntou quem eram os quatro sargentos mais antigos da tropa. Disse que prenderia os quatro – e que os demais deveriam voltar ao trabalho.

            “Então vai ter que prender todos”, respondeu um deles. Não poderia. Havia dezenas de aviões no ar. Saito deu ordens para só prender depois que todos os aviões aterrissassem.

            Eram 20h quando oficiais baseados em Brasília, Rio de Janeiro, Recife e Manaus começaram a trocar telefonemas nervosos. Saito queria prender 18 cabeças da rebelião. Chamou quatro promotores para lhe dar suporte legal. A logística foi preparada. Os hotéis de trânsito da FAB serviriam de cadeia. Ônibus foram deslocados para levar os amotinados. A Polícia da Aeronáutica foi mobilizada.

            “Se entrar, alguém vai morrer”, avisou um controlador, por celular, a um colega militar do lado de fora.

            Por volta das 21h, Gilberto Carvalho, o chefe de gabinete do presidente, telefonou para o comandante Saito. Disse que gostaria de conversar com ele.

            “O que o sr. vai fazer?”, perguntou o assessor. “A primeira coisa é colocar todos os aviões no chão”, explicou. “Depois vou assumir o serviço.”

            Por fim, avisou que iria prender os amotinados. Carvalho então alcançou Lula em pleno ar. Do avião, o presidente deu uma contra-ordem. Através do assessor, mandou o comandante da Aeronáutica abortar a operação. E o afastou da crise.

            Quem estava em Brasília?, quis saber Lula. De ministro importante, só Paulo Bernardo, do Planejamento. Às 22h30, Bernardo chegou ao Cindacta, em companhia de Erenice Guerra, subchefe da Casa Civil. Saíram de lá quase 1h da manhã, com a promessa de Bernardo de desmilitarização imediata do controle aéreo, e de que não haveria punição para os amotinados (Nota do Editor: inclusive de paralisações anteriores. Depois falou-se que a questão da punição dizia respeito apenas às transferências dos implicados, coisa perfeitamente normal dentro do cotidiano militar. Parte do diálogo com Paulo Bernardo foi repdoduzida pelo Jornal Nacional. O ministro suplicou para que os amotinados aceitassem conversar. Os representantes do movimento argumentavam que haviam ouvido promessas demais e nada se concretizara).

            Às 23h, Saito discutia com os mais próximos sua vontade de pedir demissão. A notícia se espalha.

            “Como vai ser se não houver mais hierarquia?”, disse um brigadeiro. O almirante Júlio Moura, comandante da Marinha, presta solidariedade e diz que o acompanharia em qualquer decisão. Logo depois o comandante do Exército, general Enzo Peri, disse o mesmo. Às 10h de sábado, começou uma reunião do alto comando da Aeronáutica. Todos os nove brigadeiros quatro-estrelas estavam lá. Saito anunciou que pediria demissão. Anunciaram, um a um, que se demitiriam juntos.

            Menos um: segundo o relato, o brigadeiro José Américo dos Santos, segundo na hierarquia, foi contra. (Nota do Editor: isso também confere. Oficiais me contaram que José Américo resistiria. Apontaram como razão o fato de ter garantida a nomeação para uma vaga no Superior Tribunal Militar (STM) no ano que vem. Sem essa adesão, a proposta não poderia avançar).

            Foi então que o clima mudou. Um brigadeiro deu a idéia de Saito resistir. Queria que a força entrasse de prontidão e, armada, cumprisse a lei militar, passando por cima de Lula. “Mas ele é o comandante-em-chefe das Forças Armadas”, argumentou o brigadeiro José Américo, lembrando a Constituição. “Ele é o comandante, mas nem ele está acima do Regulamento Disciplinar”, decretou Saito.

            Na tarde de 31 de março, Saito relatou sua decisão aos comandantes da Marinha e do Exército. Deixou claro a Gilberto Carvalho que nenhuma das três forças aceitava mais Waldir Pires na Defesa. Lula retornou de Washington na tarde de domingo. No início da noite, recebeu os comandantes no Palácio da Alvorada. Diante de Lula, não exigiram a cabeça de Waldir (N. do E.: fazê-lo seria uma insubordinação quase da mesma proporção da cometida pelos controladores . O recado teria sido repassado através de Carvalho, que é civil). Mas exigiram respeito à hierarquia e à disciplina. O presidente respondeu que estava sendo mal informado dos acontecimentos, por isso afastara Saito da crise.

            No dia seguinte, já no programa Café com o presidente, Lula passou a atacar os controladores. A semana terminou sem que ele decidisse nada de concreto sobre o caos aéreo. Nem quem será o novo ministro da Defesa". (Nota do Editor: Lula preferiu manter Waldir Pires, mesmo sabendo que já não há mais clima para isso. "Ministro eu ponho, eu demito", afirmou o presidente na semana passada).

            Se hoje a situação nos aeroportos parece tranquila, o clima entre os controladores não é mais. A vitória declarada na semana passada virou uma derrota sindical, com o presidente fazendo o papel de Judas da categoria. Lula também saiu muito mal do episódio e o relato acima dimensiona o tamanho do desgaste presidencial. Tão grande que deve inviabilizar qualquer mudança de status da Aeronáutica em relação à aviação comercial. O governo queria passar o controle da área para os civis. Não há mais clima para que isso ocorra em futuro próximo. Com seus diretores em uma festa de casamento, a Agência Nacional de Aviação Civil passou ao largo da confusão e provou ao cidadão a sua completa inutilidade. Lula queria que os 100 dias fossem festejados com outras lembranças. Mas em relação à crise, o centésimo dia amanhece igual ao primeiro.

(*) Matéria publicada originalmente no Jornal do Brasil através do site www.jbonline.com.br
Reportagem postada por Marcelo Ambrósio editada pelo Portal Brasil.