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- E D I T O R I A L -
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ESPECIAL DE VERÃO VI
Êta nariz, sô! (*)

            Têm coisas qu’eu estranho. Afinal, sou nascido em Santa Efigênia, onde vivi até os 15 anos; primeiro na Contorno, perto do quartel; depois na João Gomes, a pouco do Paraíso, Saudade e Pompéia. Santa Efigênia, no meu tempo, tinha jeito de cidade do interior, todo mundo dando conta da vida de todo mundo. Como se não bastasse, sou orgulhosamente filho do Dr. Antônio Mamede, dentista de boa cepa e pai austero, de correia em punho, que veio do Morro da Onça, que fica nas bandas de Crucilândia, terra convertida a São Geraldo e historiada por Conceição Abritta. Também filho orgulhoso de Don’Elma, mãe dum carinho sem fim, mas que veio da então pequena Jeceaba, terra que o aço, agora, ameaça metropolizar. Vê-se por que ainda trompico nuns troços que não assimilo fácil: é cacoete de capiau, traço de origem que se embrenha no caboclo ao ponto de, vencendo a pele, tomar-lhe o DNA: o gene da brejeirice.

            Meu mal, agora, é o vinho. Cheguei nele por um caminho tortuoso. Bebedor de refrigerantes, descobri a cerveja aos 22, e ali me afoguei por anos. Quando real e dólar empatavam em 1 a 1, estava consumindo cerveja amarga inglesa, aplicado pelo sertanista Sérvio Ribeiro. Mas me veio uma hérnia de hiato e, depois, a gota. Foi assim que me fizeram abandonar as loiras geladas. Parti triste, mas resignado, indo me refugiar no uísque. Cheguei tímido, no início, mas fui ficando bem à vontade, com o passar do tempo. Gosto de maltes, não recuso blends; aceito os oito, gosto dos doze e tenho muito respeito pelos mais velhos. Meu casamento começou, lembro-me bem, com um singelo: “quer tomar um uísque?” A fascinação pelo uísque era tanta que dele me expulsou o Dr. Paulo Kleber Araújo, cardiologista como poucos que traz no currículo a fama de ter sido um atacante oportunista, a quem o próprio Tostão nomeou como um dos melhores que já viu jogar.

            Cheguei, assim, ao vinho: por exílio e migração. Bebe-se menos vinho que uísque. Por se tratar de uma bebida muito sensual – que muito estimula os sentidos, explico-me –, o vinho exige a troca da quantidade pela qualidade. Bebo hoje menos que no passado, embora meu encontro com uma garrafa de uísque seja sempre amigável, sabem-no bem os amigos. Isso para não falar d’uns bichinhos como Laphroaig, Oban, Lagavulin, Glendronach, Glenkinchie, Dalwhinnie, que acompanhados de um bom charuto, levam-nos ao êxtase.

            Mas o vinho é dessas manias obsessivas, que tiram o caboclo do sério. Não basta bebê-lo, é preciso interpretá-lo. Você não vê um sujeito com o nariz atolado no copo lagoinha, buscando possibilidades olfativas da cerveja ou da caninha, e caboclos como eu, que cheiram uísques, são raros. Mas meter os beiços num vinho, sem antes enterrar o nariz na taça é um sacrilégio imperdoável. Pior: é preciso cheirar e sair com uma brilhante conclusão analógica: frutas vermelhas, flores do campo ou algo parecido. Quem não é capaz de fazê-lo, está lascado.

            A bem da verdade, vinhos cheiram a vinhos. Mas são inquestionavelmente ricos em matizes olfativos que podem evocar lembranças variadas na memória, agradáveis ou não. É um momento único de quem bebe (e cheira), embora possa haver comunhão. Foi assim numa degustação, ‘ind’outro dia: recebemos o tinto para apreciar a cor (um vermelho fechado, bem escuro, que não dava passagem à luz) e, enfim, investigar-lhes aroma. Eduarda, minha esposa e religião, mal deu a primeira aspirada, cochichou: “- Tem cheiro de baia de cavalo.” “Que isso, mulher? ‘Tá doida?” retruquei de pronto. Meti o nariz na taça e dei de cara com a anca dum cavalo suado.

            Ich! Bebe, vai.

(*) Por Gladston Mamede, advogado, professor de direito da UFMG, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
e titular da coluna de direito do Portal Brasil. E-mail: [email protected].

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