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C  I  N  E  M  A
C R Í T I C A

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ATUALIZAÇÕES QUINZENAIS


TÚLIO SOUSA BORGES, Colunista de cinema do Portal Brasil - www.portalbrasil.net

Fantasmas do passado 

Obituário - À medida que mergulhamos fundo nas promessas e ilusões do século XXI, nos distanciamos ainda mais da Era Dourada de Hollywood. O tempo passa, e, um a um, se despedem os últimos remanescentes desse glorioso período da sétima arte. Em 2007, Deborah Kerr; no ano passado, Charlton Heston.

            Quando Paul Newman deu o último suspiro, imagens de seus famosos olhos azuis inundaram o planeta. Outras significativas perdas, porém, foram virtualmente ignoradas: Evelyn Keyes (E o vento levou); Suzanne Pleshette, que deixara muitos rapazes apaixonados ao interpretar a encantadoramente ingênua Prudence Bell em Candelabro italiano (Rome Adventure, 1962); Mel Ferrer, grande ator e produtor, bem como marido de Audrey Hepburn; além da subestimada Nina Foch (Os Dez Mandamentos). Quem também nos deixou em 2008, na véspera dos idos de março, foi Richard Widmark, que encarnou alguns dos principais vilões e anti-heróis do cinema noir. O lendário cineasta Jules Dassin, que dirigiu Widmark em Sombras do mal (Night and the City, 1950), morreria cerca de duas semanas depois do ator.

            Mais alguns se foram recentemente. No último primeiro de julho, faleceu Karl Malden, que, se nunca foi exatamente uma estrela, conseguia cativar as platéias em memoráveis papéis secundários, como o do Padre Barry em Sindicato de ladrões (On the Waterfront, 1954). Coincidentemente, o roteirista do filme, Budd Schulberg, morreu no último dia 5, aos 95 anos. Era um escritor talentoso, mas seus textos, que costumam tratar de problemas sociais, pecam no tom sermonário. As personagens não conversam, discursam. Uma pena! Como escreve Russell Kirk, “quanto melhor o artista, poderíamos quase dizer, mais sutil o pregador.

            Que descansem todos em paz!  

*

Em vídeo - Kirk foi decisivamente influenciado por Edmund Burke (1729-1797), estadista e pensador britânico que propôs a noção de sociedade eterna, um vínculo moral que uniria os vivos aos mortos e àqueles que ainda não nasceram. Na mesma linha, o ensaísta americano Joseph Bottum propõe: “uma sociedade saudável requer um vigoroso sentido da realidade e da presença continuada dos mortos.”

            A melhor manifestação cinematográfica dessa tese ainda se encontra na brilhante e extensa – até mesmo irregular – filmografia de John Ford. Para o diretor, rituais – especialmente os ritos fúnebres – nos protegem da constante ameaça de anarquia. Nos filmes de Ford, são muito comuns cenas em que as personagens visitam túmulos a fim de conferenciar com seus mortos.

            Um exemplo recente de semelhante atitude acaba de chegar às locadoras. Trata-se do suspense noir Às margens de um crime (In the Electric Mist, 2009), produção franco-americana dirigida pelo consagrado diretor francês Bertrand Tavernier e terceira adaptação cinematográfica de um livro de James Lee Burke.

            O romance em questão é apenas um dos vários protagonizados pelo policial cajun Dave Robicheaux. Foi publicado no início dos anos 90, mas é uma Lousiana pós-Katrina que vemos na tela.

No início do filme, enquanto a câmera adentra o pântano onde foi encontrado o corpo de uma jovem assassinada, Robicheaux (Tommy Lee Jones) nos diz em voice-over:  

No mundo antigo, as pessoas colocavam pesadas pedras sobre os túmulos de seus mortos para evitar que as almas vagassem e afligissem os vivos. Sempre pensei que isso fosse apenas a prática de um povo supersticioso e primitivo. Mas eu estava prestes a descobrir que os mortos podem pairar no canto de nossa visão com a densidade e luminosidade da névoa. E que suas reivindicações na Terra podem ser tão legítimas e obstinadas quanto as nossas. 

            Que poderosa maneira de começar um filme promissor! O que temos diante de nossos olhos é uma complicada trama chandleresca. O assassinato da jovem, aparentemente cometido por um assassino serial, está estranhamente ligado por uma teia de corrupção a um antigo crime. Em meio à densa névoa dos pântanos, o passado se mistura ao presente.  Enquanto descobre a verdade, Robicheaux encontrará aparições de soldados confederados. Embora pareçam alucinações provocadas por embriaguez, as conversas travadas pelo detetive com o General John Bell Hood (1831-1879) são reveladoras em sua sabedoria. In vino veritas.

            O filme não é Chinatown (1974), porém. E se tem seus momentos, também padece de sérios problemas estruturais. Acaba não sendo tão bom quando seus dados levariam a crer.

            O ponto forte de uma estória de Chandler é a atmosfera, o clima. Lousiana pode não ser a Califórnia do famoso escritor, mas oferece um prato cheio nesse sentido. Já havia servido inclusive como cenário e tema de dois memoráveis noirs da década de 80, produzidos mais ou menos na mesma época: do clima enganosamente leve de Acerto de contas (The Big Easy, 1986) às sombras aterrorizantes de Coração satânico (Angel Heart, 1987). Tavernier aproveita a oportunidade e valoriza as locações. Às margens de um crime não deixa de ser uma homenagem do cineasta a duas de suas paixões: o Sul dos Estados Unidos e o cinema clássico americano.

            O problema é a confusão da narrativa. Esse traço, também chandleresco, não precisaria prejudicar o conjunto se o casal polonês Jerzy e Mary-Olson Kromolowski tivesse preparado um roteiro melhor, sem repetir os erros de seu trabalho anterior, The Pledge (2001). “Mas”, como diria o protagonista de um conto do próprio Chandler – “era elaborado demais, envolvia gente demais. Esse tipo de coisa sempre estoura na sua cara”.

            Emprega-se muito mal a família de Robicheaux. Essencialmente, ela não passa de ornamento. Por isso mesmo, não faz sentido colocá-la, de repente, no primeiro plano. E se Tavernier acertou em muita coisa, se equivoca curiosamente num ponto crucial, qual seja, a elaboração visual dos encontros com os fantasmas, que carece de força dramática e acaba beirando o ridículo. É bom lembrar, no entanto, que o próprio John Ford chegou a falhar no mesmo quesito.

            Apesar de seus defeitos, o filme tem uma proposta muito interessante e merece ser assistido. Até participou do Festival de Berlin no início do ano. Infelizmente, porém, foi lançado diretamente em vídeo na maioria dos países, incluindo o Brasil. Tudo isso enquanto filmes intoleráveis ocupam boa parte das salas de cinema. A morte e a morte da sétima arte...

Por Túlio Sousa Borges, [email protected]

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