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ATUALIZAÇÕES QUINZENAIS


TÚLIO SOUSA BORGES, Colunista de cinema do Portal Brasil - www.portalbrasil.net

Salve geral / Roman Polanski 

Dedicada ao delegado Adelson Taroco (1966-2006) – covardemente assassinado no cumprimento de seu dever – e às outras vítimas do PCC, conhecidas ou não.

            “Coincidências são trocadilhos espirituais”, já dizia G. K. Chesterton. É no mínimo curioso, por exemplo, o fato de Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni terem falecido no mesmo dia, há pouco mais de dois anos. Ironicamente, os dois grandes cineastas da angústia existencial sugeriram, como último ato, a existência de uma ordem universal.

            No último 18 de setembro, a Secretaria do Audiovisual anunciava a escolha do longa Salve geral como candidato brasileiro ao Oscar. Enquanto isso, Irving Kristol, ‘o padrinho do neoconservadorismo’, falecia aos 89 anos nos Estados Unidos. Trotskista na juventude, Kristol transitou para o outro lado do espectro político com o passar do tempo. Foi o primeiro indivíduo – em meados dos anos setenta – a aceitar a alcunha de neoconservador, que ele próprio definia como “um liberal que tomou uma bofetada da realidade”. Aliás, segundo Kristol, um liberal seria “alguém que diz não haver problema na participação de uma garota de 18 anos em um filme pornográfico desde que ela receba pelo menos o salário mínimo”.

            A realidade brasileira vive nos dando socos e pontapés, mas mesmo assim os nossos ‘liberais’ continuam iludidos. Ainda há patriotas ingênuos que se ufanam quando lêem a respeito do tsunami em Samoa ou do terremoto na Indonésia, convencendo-se de que o Brasil seria o melhor país do mundo. Realmente, a providência divina ou o acaso nos livraram de muitos desastres naturais. Por outro lado, sofremos outros tipos de problemas muito graves, dos quais somos – direta ou indiretamente – responsáveis. O PCC, tema de Salve geral, é apenas um dos muitos maremotos que assolam nossas praias. E não adianta culpar os deuses por isso.

            Dirigido pelo carioca Sérgio Rezende, Salve geral faz parte dessa nova geração de filmes sobre a violência urbana. Por outro lado, apesar dos parentescos, a fita não deixa de ser um tanto quanto inusitada, a começar pela arrojada trilha sonora, que navega entre o clássico e o (pós-) moderno com muita competência. Além disso, há muitos momentos em que o espectador tem a impressão de estar vendo uma paródia de Hitchcock ou do cinema noir.

            Andréa Beltrão vive Lúcia, uma professora de piano de classe média que mergulha no submundo do crime para ajudar o filho presidiário. Ela passa a colaborar com o PCC e é interessante pensar que os ataques da facção teriam sido comandados de um dos celulares que a protagonista introduziu no presídio. O lado perverso do amor materno.

            Ao optar por uma trama multifacetada, o diretor tira, sem querer, um pouco de energia do drama central. E o jovem Lee Thalor não chega a convencer no papel de Rafa, o filho de Lúcia. Por sua vez - e apesar de suas claras limitações, Andréa Beltrão consegue retratar as mudanças de uma personagem fascinante. Quem se destaca mesmo, porém, é o restante do elenco - sobretudo os atores que encarnam os bandidos, como Denise Weinberg e Eucir de Souza. São renomados profissionais de teatro, desconhecidos do grande público; e enriquecem o filme com desempenhos simplesmente brilhantes.

            Sérgio Rezende me concedeu uma entrevista bastante elucidativa nessa semana. Por mais que seja genuíno seu interesse pelo milenar problema do mal, algumas de suas opiniões são claramente ingênuas. Ainda que negue veementemente, o diretor defende bandido, sim. No filme, o faz apenas indiretamente; em sua fala, cai na tergiversação. Diz que nem todo detento é um bandido perverso; e que presidiários são seres humanos dignos de compaixão, sobretudo porque sofrem privação da liberdade - além de penas acessórias, que não estão previstas em lei. Até tem razão, mas apenas em parte. Existem pessoas encarceradas há anos, em péssimas condições, por causa do roubo de um bombom. Uma situação ultrajante, sem sombra de dúvida. Por outro lado, é um desaforo ouvir gritos de “Paz, justiça e liberdade!” das bocas de membros do PCC. Ora, essa escória (muitos deveriam ter pago com a própria vida pelos seus crimes) merecia estar numa situação muito pior. Que trabalhador honesto tem tempo de tomar banho de sol ultimamente? E é justamente nas mãos desses marginais tarimbados que fica o pobre ladrão de galinha – ou de bombom.

            Salve geral se parece com seu autor. É cinematograficamente engenhoso e moralmente obtuso. Mesmo assim, não chega a ser tão ultrajante quantos outros filmes brasileiros sobre criminalidade. Com caricaturas dramaticamente expressivas, o filme distorce muita coisa, mas também revela boa parte da verdade.

*

            Por falar na briga entre liberais e conservadores, quem se encontra em maus lençóis é Roman Polanski. Foragido da justiça americana desde o fim dos anos setenta – quando teria violentado uma menina de 13 anos, o cineasta polonês foi preso na Suíça, onde receberia um prêmio honorário. Enquanto o mundo aguarda o desenrolar dos trâmites legais, liberais e conservadores, europeus e americanos, se apropriaram do caso para travar uma tola batalha ideológica. A verdade é que nenhum dos dois lados está muito interessado nas circunstâncias específicas de um caso mais do que complicado.

            Culpado ou não, Polanski é dono de uma biografia bizarra. Acusado de monstro, também já foi vítima. Seus parentes foram assassinados em campos de concentração; e sua primeira esposa, a atriz Sharon Tate, foi uma das vítimas da gangue de Charles Manson. Talvez todos esses acontecimentos expliquem parte do traço perverso que sempre caracterizou a magnífica obra do diretor. (Uma coincidência maligna: O Bebê de Rosemary foi filmado no macabro edifício onde John Lennon seria posteriormente assassinado).

            Polanski não é o primeiro artista de caráter duvidoso que consegue realizar obras-primas. Seu próximo filme, The Ghost, promete muito. Baseado em um romance de Robert Harris, trata de um ghostwriter (Ewan McGregor) que descobre perigosos segredos de Estado enquanto colabora na redação das memórias de um primeiro-ministro britânico (Pierce Brosnan).   

Por Túlio Sousa Borges, [email protected]

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