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C  I  N  E  M  A
C R Í T I C A

0 1  /  S E T E M B R O  /  2 0 0 9
ATUALIZAÇÕES QUINZENAIS


TÚLIO SOUSA BORGES, Colunista de cinema do Portal Brasil - www.portalbrasil.net

As várias faces do mal

            Ultimamente, fala-se muito em crise; na crise econômica, mais precisamente. Enquanto isso, damos pouquíssima atenção a uma crise mais antiga, profunda e importante, qual seja, a crise do Ocidente. Crise intelectual, epistemológica, moral, política. Crise existencial, em resumo.

A Europa é mais propriamente uma velha senhora do que um galã decadente. Não seria exagero, porém, compará-la a Montgomery Clift se considerarmos seu lento, quase inconsciente, suicídio. Já no fim do século XVIII, diante das monstruosidades da Revolução Francesa, Edmund Burke (1729-1797) lamentava o fim de uma era e declarava que a glória da Europa estava extinta para sempre.

            Duzentos anos mais tarde, a vexaminosa libertação de al-Megrahi pelo governo escocês adiciona mais uma inscrição à lápide. O ex-agente secreto líbio, um dos responsáveis pelo atentado de Lockerbie em dezembro de 1988, foi recebido como herói em seu país.

*

            Perto do fim de O Grupo Baader Meinhof (2008), um funcionário do governo alemão, perplexo diante da popularidade – e dos poucos sinais de enfraquecimento – da guerrilha urbana de extrema-esquerda que dá nome ao filme, pergunta: “O que motiva essas pessoas?”. Seu chefe, Horst Herold (Bruno Ganz), responde: “Um mito.” No final do filme, depois de uma operação fracassada, alguns dos terroristas descobrem, desiludidos, que parte do que os encorajava não era verdade. A adversidade ensina melhor do que o sucesso – como escreve Thomas Hobbes.

            Por sua própria natureza, movimentos ideológicos – sejam de direita ou esquerda – costumam falsificar a realidade, por meio, entre outras coisas, de discursos cinicamente manipulativos. E quando seus membros se referem a situações políticas objetivas – ou chegam até mesmo a fazer reivindicações legítimas, as distorcem com percepções equivocadas.

            Der Baader Meinhof Komplex é apenas outro nome, cunhado pela mídia alemã, para a RAF (Rote Armee Fraktion), que aterrorizou a Alemanha Ocidental entre 1968 e 1998, sobretudo no período conhecido como “Outono Alemão”, em 1977. Egocêntricos, ignorantes e alienados, seus integrantes lutavam contra os inimigos de sempre: “imperialismo”, “opressão”, etc. No auge da contracultura, acreditavam, por exemplo, que a revolução sexual estava intimamente ligada  à luta pela liberação da Palestina.

            Ao mesmo tempo, há notáveis contrastes individuais. Andreas Baader (Moritz Bleibtrau) e Ulrike Meinhof (Martina Gedeck) são muito diferentes. Meinhof, que era jornalista antes de formar o grupo, aparece freqüentemente como uma pessoa dividida, a revolucionária relutante. A própria postura da personagem é um índice de seu contínuo desconforto.

            Isso fica evidente logo na brilhante primeira cena, que se passa em 1967. Meinhof está com seu marido - o jornalista Klaus Reiner Röhl - e as duas filhas em uma praia nudista. Liberal, ela não parece se importar com a exposição das meninas, mas fica escondida. O mais significativo vem a seguir. Enquanto a família se prepara para sair da praia, o pai explica para as crianças que o Xá da Pérsia – prestes a visitar a Alemanha – era um homem muito poderoso que poderia decapitar alguém de que não gostasse. Meinhof desaprova a piada do marido, pois a considera imprópria para as meninas. Ele responde que as pessoas gostam de ouvir a verdade Segundos depois, uma bela amiga aparece para cumprimentá-los, flertando com Röhl. Dadas as circunstâncias, a nudez da intrusa deveria ser banal, mas é justamente o contrário. A situação é sexualmente estimulante, muito erótica. Enciumada, Meinhof percebe que o marido e a amiga se desejam mutuamente.

            O filme, dirigido pelo veterano Uli Edel – e merecidamente indicado ao último Oscar de Filme em Língua Estrangeira – é repleto dessas pequenas ironias. Confirma a ótima fase do cinema alemão, que se transformou em notável fonte de filmes sérios com preocupações éticas.  

            Realista, a fita captura com fidelidade histórica a turbulência de um período violento, comumente esquecido. Trata tanto do passado quanto do presente. A princípio, a escalação de Bruno Ganz parece desperdiçar o talento desse grande ator. Foi, na verdade, muito exitosa. O veterano, que encarnou Adolf Hitler de forma magistral em A Queda (2004), acaba representado não somente uma personagem concreta, mas as perversas projeções dos preconceitos dos jovens revolucionários. Afinal de contas, o conflito ideológico também envolvia um choque de gerações.

            Várias pessoas sugeriram que o filme glorifica a violência dos terroristas. O veredicto me parece injusto. Com sua aura erótico-religiosa, a RAF foi um movimento extremamente popular, que exercia forte atração sobre os jovens. Negar sua capacidade sedutora implicaria na subestimação de um inimigo poderoso.

            Der Baader Meinhof Komplex faz lembrar Gomorra (2008), inclusive na importância. É mais imaginativo, porém. Sem dúvida alguma, um dos grandes filmes do ano. 

*

            Alfred Hitchcock acreditava que quanto melhor o vilão, melhor o filme. A fórmula explica boa parte do charme de O Seqüestro do metrô 123 (The Taking of Pelham 1 2 3, 2009), mais uma refilmagem do clássico de 1974. John Travolta, que não é exatamente um grande ator, está brilhante na pele do bandido inteligente e articulado que seqüestra, junto com três comparsas, um trem de metrô na cidade de New York. A prefeitura deverá lhe entregar US$ 10 milhões dentro de uma hora ou ele matará um refém a cada minuto excedente.

            Mas Travolta não carrega o filme sozinho. Na verdade, essa é uma daquelas clássicas situações nas quais ótimas interpretações dos atores conseguem elevar o nível de um filme.

            Os irmãos Scott, Ridley e Tony, são dois filisteus sem qualquer talento artístico no código genético, símbolos da Hollywood contemporânea, um lugar que celebra a mediocridade. Disfarçam sua incompetência com uma insuportável torrente de efeitos audiovisuais.

            Nos últimos anos, Tony Scott dirigiu uma maldita trindade de filmes barulhentos, todos muito ruins: Chamas da vingança (Man on Fire, 2004); Domino (2005); e Deja Vu (2006). Denzel Washington só não participou de Domino, mas não conseguiu salvar nenhum dos outros dois do desastre. Em O Seqüestro do metrô, porém, o ator é herói em mais de um sentido.

            Diferentemente de Spike Lee ou Michael Mann, Tony Scott não trata seriamente da ansiedade urbana. Em suas mãos, o problema vira entretenimento superficial. Mas se as tradicionais vulgaridades do diretor continuam marcando presença, formam um conjunto mais harmônico em O Seqüestro do metrô. O remake não chega aos pés do original, sim, mas, medíocre e efetivo, está longe de ser péssimo.

            Isso tudo em essência, porém. Com uma interação fascinante, Travolta e Washington transformam o filme em uma experiência muito satisfatória. Suas conversas lembram inclusive aquelas entre o segundo e Clive Owen no excelente policial O Plano perfeito (The Inside Man, 2006), que certamente se inspirou no clássico de 74. A personagem de Travolta é muito carismática, um apostador audacioso que aceita o risco de seus atos. Durante o filme, chegamos quase a torcer para que ele saia vencedor. Seria um prêmio justo, pensamos.

Por Túlio Sousa Borges, [email protected]

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