Área Cultural Área Técnica

 Ciência e Tecnologia  -  Colunistas  -  Cultura e Lazer
 
Educação  -  Esportes  -  Geografia  -  Serviços ao Usuário

 Aviação Comercial  -  Chat  -  Downloads  -  Economia
 
Medicina e Saúde  -  Mulher  -  Política  -  Reportagens

Página Principal

C O L U N A     D E     E C O N O M I A
0 1  /  J U L H O  /  2 0 0 9

DR. MARCOS CINTRA, EM PALESTRA, NO "ROTARY CLUB"IMPOSTO ÚNICO: UMA UTOPIA QUE SE TORNA REALIDADE
Por Dr. Marcos Cintra (*)

Usualmente, tanto no Brasil como em outras partes do mundo, quando se fala em reforma tributária a questão é tratada de forma restrita. A prioridade é sempre recuperar a carga tributária líquida do setor público. Providências como o combate à sonegação, a tributação de ganhos de capital, e a redução de incentivos e de subsídios são freqüentemente avaliadas como meios para aumentar a arrecadação do governo. Aspectos relacionados à eficiência dos mecanismos tributários, sua eqüidade, seus custos, suas incidências e outros pontos importantes são relegados a segundo plano.

A ampla reforma tributária de que o Brasil necessita, implica discutir todas essas questões. Porém, dentro de um contexto no qual o formulador de política econômica não se ache restrito às instituições fiscais existentes.

O Brasil tem uma estrutura de impostos das mais complexas do mundo. São inúmeras as formas de tributação. Há mais de quinze impostos e dezenas de taxas e contribuições. Enfim, uma parafernália de formas e meios de tributação que torna absolutamente impossível qualquer conclusão confiável acerca das características do sistema brasileiro. Não há como saber se é ou não regressivo; quais seus impactos alocativos; qual sua eficiência. Pesquisa do Fórum Econômico Mundial classificou o sistema tributário brasileiro como o mais ineficiente entre os 117 países consultados.

Em janeiro de 1990, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, intitulado “Por uma revolução tributária”, propus um novo sistema tributário chamado Imposto Único sobre Transações. A proposta demarcou uma linha divisória entre o pensamento tributário ortodoxo, baseado na manutenção do atual sistema de impostos declaratórios, e uma corrente inovadora que propunha como base impositiva uma estrutura simples, automática, abrangente e de baixo custo, consubstanciada na tributação sobre a movimentação financeira realizada através do sistema bancário, um imposto sobre cheques.

A proposta de criação de um sistema de arrecadação de impostos fundado no princípio da unicidade tributária (single tax) tem raízes históricas que remontam há pelo menos três séculos. A dificuldade de sua implementação sempre residiu na impossibilidade de se identificar uma base impositiva suficientemente ampla para permitir a arrecadação necessária com alíquotas moderadas.

No século 18 os fisiocratas propuseram que a base de um imposto único fosse o valor da propriedade fundiária, tida como única geradora de “renda diferencial”. Tal concepção resistiu aos tempos, e foi reiteradamente proposta por vários economistas, chegando até aos partidários da proposta do “single tax” de Henri George nos EUA no século 19, entre muito outros mais recentes.

A proposta do Imposto Único retoma esta tradição, mas dentro de condições tecnológicas e institucionais bastante diferentes. Ela pode ser resumida da seguinte forma.

Em primeiro lugar, haveria apenas um imposto arrecadatório. Continuarão a existir os tributos parafiscais utilizados como instrumentos de política agrária e industrial, como o imposto de importação, por exemplo. Todos os demais seriam extintos. Não haveria mais impostos sobre circulação de mercadorias nem Imposto de Renda sobre a pessoa física ou sobre a jurídica; os salários não sofreriam retenção de qualquer tipo, seja como antecipação de Imposto de Renda, seja para custeio de Previdência Social; não haveria mais necessidade de escrituração fiscal nas empresas; não haveria mais qualquer forma de declaração para impostos de renda, de serviço, de circulação ou de qualquer outro tipo; não haveria mais necessidade de manutenção das múltiplas estruturas de fiscalização hoje existentes.

A segunda característica fundamental desta proposta se prende à definição da base do imposto único. Ele incidirá exclusivamente sobre as transações monetárias, em substituição à multiplicidade de bases de tributação hoje existentes. Assim, toda vez que qualquer agente econômico efetuar um pagamento por meio do sistema bancário haverá a incidência de imposto cobrado sobre o valor da transação. O tributo será dividido em partes iguais e cobrado do emitente e do beneficiado.

As vantagens do Imposto Único são inúmeras.

Haverá enorme simplificação e redução de custos na arrecadação de tributos. O benefício não se restringe apenas à redução da máquina governamental, mas também aos custos das empresas, que hoje arcam com despesas consideráveis para fazer frente às exigências de escrituração fiscal e outras obrigações acessórias.

A arrecadação tributária seria efetuada automaticamente a cada lançamento de débito e de crédito no sistema bancário. A cada pagamento, a conta credora e a conta devedora seriam debitadas em um percentual fixo no valor da transação. Assim, a cada movimentação financeira efetuada mediante cheques ou qualquer outro tipo de ordem de pagamento, o sistema automaticamente transferirá o produto de arrecadação à conta dos tesouros federal, estaduais e municipais, segundo critérios predefinidos. Será um imposto eletrônico, automático.

Esta proposta acarretaria a virtual eliminação da sonegação, da corrupção fiscal e da economia informal, sem custos administrativos. A fiscalização estaria restrita aos sistemas de compensação do setor bancário.

O mais significativo neste projeto é que a alíquota do imposto pode ser baixa. Para que o governo brasileiro – em seus três níveis – arrecade cerca de 30% do PIB, carga referente apenas aos tributos a serem extintos, e considerando-se o volume de transações efetuadas na economia, estima-se que a alíquota total do imposto sobre transações seria de 5,3%, divididos entre a parte credora e parte devedora na transação.

Assim, considerando-se a baixa alíquota marginal, o incentivo à sonegação virtualmente desapareceria. Ademais, isso se tornaria impossível, a não ser que a transação fosse efetuada em moeda ou mediante escambo. Evidentemente, nesses dois casos o custo da sonegação seria maior que seu benefício – apenas 2,65% da transação -, o que desincentivaria por completo qualquer tentativa de burla tributária.

Cabe lembrar ainda que, para evitar que as transações efetuadas em moeda fiquem isentas de tributação, todo saque, ou depósito, de numerário (moeda circulante) do sistema bancário poderia ser taxado de acordo com uma alíquota que em média reproduzisse o número de transações que se realizasse com essa mesma moeda até seu retorno ao sistema bancário.

Portanto, esse sistema de tributação eliminaria a sonegação e implicaria uma liberação de recursos reais. Haveria uma sensível redução nos custos para os agentes públicos e privados.

Resta abordar questões que dizem respeito a duas críticas ao projeto: sua cumulatividade e sua alegada regressividade.

Os críticos dos tributos cumulativos (em cascata) afirmam ser este o maior problema da proposta do Imposto Único, e afirmam que a base de uma reforma tributária deveria ser a criação de um IVA, por ser um tributo neutro e eficiente.

Primeiramente, cabe ressaltar que nenhuma espécie tributária é totalmente neutra. Tanto os impostos cumulativos como o IVA provocam distorções nos preços relativos e alteram as decisões econômicas que teriam sido adotadas na ausência da cunha fiscal.

A alegação de que o IVA provoca menos distorção nos preços relativos pode ser verdadeira quando avaliada sob a condição "ceteris paribus" e considerando a hipótese de sonegação zero. Ou seja, teoricamente a aplicação do IVA seria vantajosa em uma situação onde todos os fatores atuantes sobre a economia permanecessem constantes e iguais nas duas situações.

Entretanto estas hipóteses são bastantes restritivas, e não são observadas na prática. O caso da evasão é ilustrativo.

A sonegação é um fenômeno disseminado em economias como a brasileira e a aplicação de um sistema declaratório de cobrança sobre o valor agregado (IVA) permite que continue existindo. Desta forma a alíquota necessária para atingir uma determinada meta de arrecadação será mais elevada que a aplicável a um tributo sobre movimentação financeira, e isto, por seu lado, irá estimular ainda mais a sonegação e a fuga para a economia informal. Ademais, ao exigir uma alíquota mais elevada, instala-se um círculo vicioso de altas alíquotas e alta taxa de evasão. Já no caso do Imposto Único a sonegação praticamente desaparecerá. Portanto, há que se comparar situações nas quais a variável “evasão” são diferentes, em um e outro caso. Feito isto, a vantagem dos IVA´s sobre os tributos cumulativos sobre movimentação financeira desaparecem por completo.

Simulações técnicas utilizando a Matriz de Leontief mostram que as alterações  nos preços relativos de 42 setores da economia brasileira causadas por um imposto sobre a movimentação financeira, como o imposto único, são menores que as de um IVA. O impacto de um imposto sobre movimentação financeira, com alíquota de 5,3% faz os preços pós-impostos se distanciarem dos preços sem impostos entre 6,4% e 22,5%. Já o IVA causa elevações de entre 19,9% e 65,2%.

Portanto a cumulatividade não pode ser considerada como uma característica indesejável da proposta do Imposto Único já que as distorções nos preços relativos são bem menores que as causadas por um tributo convencional como um IVA. Ademais, o imposto sobre movimentação financeira elimina a sonegação, reduz o custo operacional do sistema, e amplia a base tributária imponível. Nesse sentido, tudo indica que, nas condições específicas da sociedade brasileira, é preferível um imposto cumulativo sem sonegação e com alíquota baixa do que um IVA com sonegação e consequentemente com alíquotas elevadas.

Cabe salientar que as críticas aos tributos cumulativos perderam força em função de uma experiência de sucesso adotada no Brasil. Desde 1993 o país convive com um tributo incidente sobre as movimentações financeiras, a CPMF (inicialmente chamada IPMF), que não provocou qualquer distorção nos preços relativos, tampouco desintermediação bancária, desmentindo, com isso, o que preconizam os defensores do IVA.

Ademais, a CPMF passou incólume em meio às mudanças tributárias dos últimos anos por ser um tributo de baixo custo para os agentes público e privado e por sua reconhecida eficácia no combate à sonegação. Com alíquota de 0,38% incidindo no débito dos lançamentos bancários, o tributo foi responsável por uma receita de mais de US$ 12 bilhões em 2005, representando mais de 8% do total arrecadado pelo governo federal.

No tocante à crítica da regressividade do imposto único, tratando-se de um imposto em cascata, cabe lembrar que os produtos que envolvem um maior número de transações na cadeia produtiva serão proporcionalmente mais taxados. Isso implica garantir ao sistema tributário uma desejada dose de progressividade, já que os wage-goods – produtos de cesta básica que compõe o perfil de demanda das classes de mais baixa renda – terão uma carga tributária relativamente menor do que os produtos mais sofisticados. Assim, estará naturalmente garantida a progressividade desse sistema.

Um estudo da Profa. Maria da Conceição Tavares conclui que a alíquota efetiva média de um imposto sobre a movimentação financeira seria maior nos estratos de renda mais elevados, mostrando ser progressivo, e não regressivo como apontam seus críticos. A autora afirma ainda que esse tipo de tributo é “uma das poucas bases potenciais de arrecadação na qual é possível ancorar o aumento da receita pública sem penalizar os setores e segmentos sociais” e que “a circulação financeira é uma base tributária do futuro, já que, além de sua contínua expansão, permite controles eletrônicos e deverá permitir, portanto, uma menor sonegação do que os atuais impostos”. 

Convém lembrar que o incentivo para a integração vertical da produção poderá acentuar-se. Mas, consideradas as baixas alíquotas marginais do sistema, dificilmente esse processo irá além do que seria previsível por razões estritamente ligadas a economias de escala e a outros tipos de externalidade.

Outro ponto a ser evidenciado é que as transações no mercado financeiro sofreriam tributação diferenciada na proposta do Imposto Único. O principal das aplicações financeiras, ou seja, o capital, não seria onerado. A cobrança se daria apenas sobre seu rendimento real.

Esta proposta tem, portanto, algumas características essenciais que devem ser enfatizadas: garante a arrecadação tributária; elimina a sonegação e a corrupção fiscal; aumenta a eficiência da arrecadação; libera recursos reais significativos no setor privado e no setor público; é um sistema abrangente e progressivo.

Paralelamente à idéia de se criar no Brasil um imposto único sobre as transações financeiras, em seminário realizado na Argentina no final de 1989, o economista da Universidade de Wisconsin, Edgard L. Feige apresentou estudo intitulado “Taxing All Transactions: The Automated Payment Transaction Tax System”. Da mesma forma que no Brasil, a proposta de criação de um imposto sobre movimentação financeira defendida pelo professor Feige, um especialista em economia informal e que desenvolve pesquisas sobre o tema em vários países há mais de 20 anos, suscitou interesse também nos Estados Unidos.

Os estudos de Feige sobre a informalidade em vários países ao redor do mundo apontaram os enormes malefícios que a economia informal e a evasão de impostos vêm causando. O professor Feige concluiu que a tributação sobre as transações bancárias pode atenuar as distorções causadas pela economia subterrânea, e descreve a proposta como um sistema de impostos para o século 21.

A proposta de Feige deu origem a um movimento de divulgação do “imposto único” norte-americano. O detalhamento do Automated Payment Transaction (APT) e outras informações acham-se disponíveis no site www.apttax.com.

A simplificação tributária ganhou destaque tempos atrás nos Estados Unidos quando o milionário Steve Forbes, então candidato à presidência daquele país, propôs um imposto único de 17% sobre os salários. A idéia do “flat-tax” ganhou adeptos, e, em 2003, cinco projetos seguindo essa linha simplificadora foram apresentados ao Congresso norte-americano.

Também na Alemanha a simplificação ganhou grande destaque durante as últimas eleições. Uma variante da tese do Imposto Único, defendida pelo professor da Universidade de Heidelberg, Paul Kirchhof, um dos gurus em finanças públicas naquele país, foi colocada no centro dos debates pela então candidata e hoje chanceler Angela Merkel. A onda simplificadora em vários cantos do mundo é um passo importante, como pode ser constatado pelas reformas tributárias em vários países do leste europeu e na Rússia.

A proposta do Imposto Único está em discussão no Congresso Nacional do Brasil. Projeto neste  sentido foi aprovada pelas Comissões Temáticas do Congresso, e encontra-se pronta para ser votada pelo Plenário da Câmara dos Deputados.

Finalmente, cabe apontar que a proposta do Imposto Único surgiu no Brasil a partir de condicionantes históricos muito específicos. O Imposto Único, para ser um sistema tributário funcional exige duas precondições: uma economia desmonetizada, e a presença de um sistema bancário informatizado e com moderno sistema de liquidação de pagamentos. No Brasil 97% dos meios de pagamentos circulam através dos bancos. A moeda manual é pouco utilizada.

A elevada lucratividade da intermediação financeira gerada pela inflação galopante a partir dos anos 70, e que perdurou até meados da década de 90, induziu pesados investimentos na automação do setor bancário brasileiro. Atualmente, o setor financeiro do país conta com sofisticados sistemas informatizados e interligados que permitem transferências de recursos de modo ágil e seguro. O Sistema de Pagamentos Brasileiros (SPB) é o mais sofisticado do mundo, e potencializou a utilização de meios eletrônicos que permitem a liquidação de operações bancária em tempo real.

Além disso, a substituição da moeda manual pela moeda eletrônica permitiu identificar na movimentação financeira do sistema bancário uma base tributária ampla o suficiente para substituir a arrecadação de vários impostos convencionais. Papel-moeda em poder do público no Brasil situa-se na faixa de 2% a 3% do PIB, uma das mais baixas do mundo. Também neste caso a persistente inflação que durou duas décadas no Brasil foi um dos fatores determinantes da expulsão da moeda manual.

Vê-se, portanto, que a proposta do Imposto Único, um velho sonho dos economistas há mais de trezentos anos, finalmente torna-se possível a partir da revolução da informática. É a tecnologia moderna finalmente entrando em cena no lugar dos artesanais sistemas tributários ainda em uso no mundo.

(*) Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 63 anos, bacharel em economia (1968), mestre em planejamento regional (1972) e em economia (1974) e, doutor pela Universidade de Harvard (1985), é vice-presidente e professor titular da Fundação Getúlio Vargas, desde 1969, ex-vereador e Secretário de Planejamento de São Paulo (SP) entre 1993-1996, ex-deputado federal (1999/2003), ex-Secretário Municipal de Finanças de São Bernardo do Campo (SP) de 2003 a 2006 e atual secretário municipal do Trabalho e Desenvolvimento Econômico de São Paulo. Site: www.marcoscintra.org / E-mail: [email protected].

Leia mais sobre economia ==> CLIQUE AQUI

PUBLICAÇÕES AUTORIZADAS EXPRESSAMENTE PELO DR. MARCOS CINTRA
A PROPRIEDADE INTELECTUAL DOS TEXTOS É DE SEU AUTOR
 


FALE CONOSCO ==> CLIQUE AQUI