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Fernando Toscano - www.portalbrasil.netNovas regras do BacenJud trazem risco ao próprio Estado,
às Instituições Financeiras e à Sociedade Produtiva

Os maiores prejudicados serão os credores e a arrecadação de tributos
Por Fernando Toscano (*)

 

A alteração promovida, no dia 12 de dezembro de 2018, no sistema de constrição judicial, denominado BacenJud, pelo Banco Central do Brasil em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça, ao contrário do que se deseja, irá trazer grandes riscos ao Estado e à economia nacional, criando aberrações e graves anomalias ao sistema financeiro nacional.

A nova redação, do parágrafo 4º, do artigo 13, do regulamento do Bacenjud 2.0, aprovada pelo Comitê Gestor do Bacenjud, diz expressamente:

“§ 4º Cumprida a ordem judicial na forma do § 2º e não atingida a integralidade da penhora nela pretendida, sendo assim necessária a complementação (cumprimento parcial), a instituição financeira participante deverá manter a pesquisa de ativos do devedor durante todo o dia, até o horário limite para a emissão de uma Transferência Eletrônica Disponível (TED) do dia útil seguinte à ordem judicial ou até a satisfação integral do bloqueio, o que ocorrer primeiro. Neste período, permanecerão vedadas operações de débito (bloqueio intraday), porém permitidas amortizações de saldo devedor de quaisquer limites de crédito (cheque especial, crédito rotativo, conta garantida etc.).”

A princípio observa-se que essa providência visa proteger direitos de credores e “trazer justiça” mais rapidamente nos milhões de processos judiciais espalhados por todo o país e em todos os Tribunais, mas, verdade seja dita, essa será uma situação de vida curta e prejuízos de vida longa se não for corrigido, ou anulado para mais estudos, imediatamente.

De cara observamos que o art. 170 da Constituição Federal brasileira em vigor, no seu “Título VII”, “Da Ordem Econômica e Financeira”, “Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica”, prevê:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; 
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.  

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Observe-se que hoje 90% das empresas privadas possuem financiamentos, empréstimos e dívidas e, no último levantamento divulgado, cerca de 5 milhões de micro e pequenas empresas estão negativadas, protestadas ou com o risco de ações judiciais - http://www.administradores.com.br/noticias/cotidiano/brasil-contabiliza-5-milhoes-de-micro-e-pequenas-empresas-no-vermelho-segundo-serasa/123878/. As pessoas físicas ainda têm taxa de inadimplência maior. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), desenvolvida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em janeiro/19, o brasileiro está endividado. Mais de 60,1% da população adulta está negativada e sob o risco de ações judiciais - https://jornalggn.com.br/noticia/mais-da-metade-das-familias-brasileiras-comecam-2019-endividadas/.

O STJ, no Resp 1545817/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 19.04.2016, DJe 27.05.2016, dentre outras questões, ressalta que “em casos de dívida empresarial deve ser observada a fixação de percentual que não inviabilize a atividade empresarial em casos de penhora.

Os técnicos que criaram essa nova metodologia, do “monitoramento via Bacendjud”, certamente, procuraram evoluir e melhorar uma sistemática que viesse a proteger interesses de credores, facilitando ações constritivas - muitas vezes punitivas de forma injusta e sem chance de ampla defesa aos devedores -, mas o que conseguiram foi trazer grandes riscos às empresas e às pessoas físicas que estão com problemas financeiros dificultando o resultado positivo que se desejava. A título ilustrativo, de forma a evitar em me alongar demasiadamente na questão, citarei apenas uma situação exemplificativa, das dezenas possíveis, que trará riscos com a introdução do novo “Bacenjud”.

Situação: Empresa privada possui financiamento bancário de R$ 100 mil que deverá ser pago em 48 parcelas e juros de 1,3% a.m., gerando, com isso, uma prestação mensal de R$ 2.813,58 (cálculo direto sem considerar IOF e outros eventuais encargos como TAC, etc).

Se, em determinado mês, a empresa, fornecedora do governo federal ou credora de terceiros, deixar de receber alguma fatura e atrasar o pagamento das parcelas, esta instituição financeira a negativará e iniciará um processo de execução, mesmo que se tenha apenas três parcelas em atraso. Na verdade, a dívida, no caso de três parcelas em atraso é de R$ 8.440,74 fora juros e multas, mas o banco entra com execução do contrato e pede o “bloqueio Bacenjud” das contas da empresa e fiadores (provavelmente sócios) e cobra o contrato inteiro, antecipando, muitas vezes, o restante do contrato. Essa situação traz diversos agravantes:

Primeiro: Suponhamos que exista R$ 86 mil na conta da empresa e R$ 35 mil na conta dos fiadores. A ordem é de bloqueio de R$ 100 mil, e se efetua bloqueio de R$ 100 mil em cada conta, conforme é o procedimento padrão hoje do Judiciário, zerando os R$ 86 mil da empresa e os R$ 35 mil dos fiadores. Logicamente que o magistrado devolverá o valor em excesso aos fiadores, mas o bloqueio já trouxe transtornos às partes, muitas vezes com cheques compensados e devolvidos ou débitos agendados não realizados, trazendo danos materiais ao devedor que, provavelmente acionará o Estado.

Segundo: Suponhamos que exista R$ 25 mil na conta da empresa e R$ 1.600,00 na conta dos fiadores. A ordem é de bloqueio de R$ 100 mil, e se envia o comando de R$ 100 mil em cada conta, zerando os R$ 25 mil da empresa e os R$ 1.600,00 dos fiadores. Só que na nova sistemática continuam sendo debitados todos os créditos recebidos. No dia seguinte a empresa recebe R$ 3.200,00 e novo débito ocorre; mais tarde outro depósito de R$ 2 mil é efetuado e novo bloqueio acontece; no 3º dia mais R$ 4 mil e novo débito, e assim sucessivamente, sempre zerando o saldo. Isso traz excessivo risco empresarial, a empresa tende a ficar inadimplente com outros fornecedores, cheques começam a voltar, empregados serão demitidos e o governo perderá arrecadação. O que acontecerá em pouco tempo? A empresa fechará as portas, novos cobradores iniciarão a cobrança judicial e não existe mais saldo nas contas da empresa, que fechou, e diversos novos credores ficarão sem receber. Quem deu causa a isso tudo? O próprio Governo Federal através do Banco Central e do CNJ.

Quem ganhou? Um credor, em detrimento de todos os demais. É um grande prejuízo à Sociedade como um todo e um enorme risco de ações as mais diversas se proliferarem em face do governo federal já que há invasão de privacidade nas contas, com o “monitoramento indireto” do saldo das contas, ferindo o direito ao sigilo bancário da empresa e dos fiadores e gerando uma onda crescente de inadimplência.

Terceiro: Suponhamos que exista R$ 25 mil na conta da empresa e R$ 1.600,00 na conta dos fiadores. A ordem é de bloqueio de R$ 100 mil, e se envia o comando de R$ 100 mil em cada conta, zerando os R$ 25 mil da empresa e os R$ 1.600,00 dos fiadores, muitas vezes marido e mulher. Os débitos, na nova sistemática, continuarão sendo feitos e devedores, empresa e fiadores ficam sem poder fazer pagamentos e operações de débitos trazendo 1º) prejuízo a diversos credores já contratados, muitas vezes com serviços e produtos já entregues, que ficarão sem receber; e 2º) Os fiadores, quando se tratar de casal, ficarão sem condições de sobrevivência já que todas as suas contas passaram a ser monitoradas e, os créditos efetuados serão debitados automaticamente pelo sistema. Essa é uma questão bastante grave, que trará grandes consequências jurídicas ao Estado, já que fere o principio da dignidade da pessoa humana, danos morais e materiais (com a negativação, protestos e processos de novos credores), fere o direito da livre iniciativa, dos direitos básicos do consumidor, do sigilo fiscal e bancário, e certamente todos esses transtornos serão imputados ao Estado, que sofrerá uma enxurrada de ações as mais diversas. Deve-se observar também, em especial, o disposto no Art. 170, IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País", que são as mais frágeis, mais dependentes, endividadas e com dificuldades de crédito. 

Quarto: Milhares de produtores rurais possuem empréstimos com a finalidade de financiar a sua produção agrícola e/ou para a aquisição de máquinas e equipamentos, principalmente junto ao Banco do Brasil. Ora, todos sabemos que a grande maioria desses contratos está com atrasos nos pagamentos e o pequeno produtor rural, muitas vezes humilde, só possui a conta corrente no próprio Banco do Brasil. A dívida entra em execução – e são milhares Brasil afora – o comando Bacenjud é efetivado e o rendimento desses trabalhadores rurais são retirados, dia a dia, até que estes venham a passar fome e outras necessidades básicas, iniciando uma dependência junto a terceiros, gerando ônus ao próprio Estado com a sua falência e desistência da propriedade, causando, assim, a médio/longo prazo, desabastecimento no país, mesmo que localizados.

Essas quatro situações exemplificativas trazem risco ao empresariado nacional, aos produtores rurais e ao sustento familiar de pessoas endividadas, trazendo, ainda, medo de novos investimentos, via financiamento bancário, e a diminuição do fluxo de capital no mercado nacional simplesmente para atender aos desejos de um credor, muitas vezes uma própria instituição pública.

As empresas e pessoas endividadas, certamente já bastante pressionadas, se desesperam e irão procurar outras “formas de sobreviver” trazendo novos riscos ao Estado extremamente preocupantes:

1º) Como há risco de bloqueio de todos os valores movimentados em contas correntes, os devedores passam a trabalhar apenas com dinheiro. Bancos perdem com depósitos não realizados, demais credores não irão receber, governo não arrecadará o que poderia porque, com a economia informal, se cria uma anomalia jurídica, contábil e fiscal, sem solução, já que se perde o controle imediato do fluxo do dinheiro no país e “de quem pagou o que para quem”.

2º) Se proliferará a situação dos chamados “laranjas” já que empresas e pessoas físicas passam a se utilizar de amizades e confiança de terceiros para movimentar os seus recursos através das suas contas não alcançando, assim, o interesse de credores e nem se resolvendo a questão judiciária, que ficará sem solução, alongando a lide processual.

3º) A empresa é abandonada à própria sorte e uma nova é criada, em nome de terceiros, transferindo-se os negócios à nova empresa através de um forjado “contrato de parceria comercial”, totalmente legal sob a ótica jurídica, ou mesmo através de um “contrato de gaveta”, onde os credores não a alcançarão facilmente trazendo mais e mais longos embates judiciais para tentar se provar eventual fraude à execução, etc.

4º) A empresa devedora é abandonada e seus contratos e clientes vendidos a terceiros, mediante termos jurídicos confeccionados por Advogados especialistas, que também não serão alcançados pelos credores das empresas devedoras. Esses devedores de empresas abandonadas e/ou falidas tendem a viver à margem da lei, trazendo mais riscos e ônus ao Estado.

Essas são situações imediatas que ocorrerão com a simples implementação desse sistema. Os seus criadores ou são excessivamente técnicos e não avaliaram corretamente “o monstro que ora se cria” ou o sistema foi criado apenas no intuito de atender demandas de grandes corporações e instituições financeiras e, que se tenha certeza, terá sucesso provisório. Rapidamente o brasileiro encontrará “uma situação criativa”.

Infelizmente, no Brasil, o devedor é considerado mau caráter, é pré-julgado e muitas vezes o próprio Estado ou as próprias instituições credoras, investidores e financeiras, empresas de factory e similares que, na ganância de lucros constantes e incessantes impõem obrigações, regras e juros absurdos e acabam por criar, mesmo que indiretamente, essas anomalias que, certamente, trará grandes riscos ao país a médio e longo prazo.

Os principais riscos que a disseminação do “Novo Bancejud” trará ao país, de imediato, são:

- Facilidade inicial de recebimento de um credor em detrimento dos demais.
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Diminuição do controle da movimentação financeira por parte do fisco.
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Geração de economia informal em larga escala.
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Prejuízo aos produtores rurais e a empresários endividados.
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Diminuição da economia com o consequente aumento do receio do endividamento para investimento em novos negócios e no crescimento do já existente.
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Desestímulo ao empreendedorismo.
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Diminuição da agricultura familiar e novos produtores rurais.
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Criação de demandas judiciais, em larga escala, em face do grande risco material que o sistema traz de forma generalizada.
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Proliferação de novas ações de execução e menos acordos extrajudiciais e conciliações já que, agora, o acesso às contas do devedor ficou facilitada sem a garantia prática de nenhum resultado positivo (maior ônus ao Judiciário, já com excesso de processos).

(*) Fernando Toscano é o Editor-Chefe do Portal Brasil. Seu perfil.

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