Área Cultural Área Técnica

 Ciência e Tecnologia  -  Colunistas  -  Cultura e Lazer
 
Educação  -  Esportes  -  Geografia  -  Serviços ao Usuário

 Aviação Comercial  -  Chat  -  Downloads  -  Economia
 
Medicina e Saúde  -  Mulher  -  Política  -  Reportagens

Página Principal

MERCADO DE RENDA VARIÁVEL
Bolsa de Valores


O Brasil e as lições da crise
Por Gustavo Loyola (*) - 06.04.2010

O Comitê de Supervisão Bancária da Basileia acaba de divulgar documento que traz recomendações sobre as políticas e o arcabouço legal para resolução de crises bancárias, notadamente quando elas ultrapassam as fronteiras de um único país (cross-border crises). As dez recomendações, quando vistas isoladamente, não apresentam novidades conceituais em relação ao que já é observado por alguns países, mas representam um esforço sério de compilação e consolidação das melhores práticas, levando em consideração, por óbvio, os problemas verificados na crise financeira recente.

A falta de novidades no trabalho do Comitê não o diminui. Ao contrário, seu objetivo maior é o de buscar a harmonização das legislações e políticas nacionais e facilitar a coordenação dos países na solução de problemas concretos que venham a ocorrer no futuro. Esse ponto, na crise recente, revelou-se um calcanhar de aquiles, tendo em vista as dificuldades enfrentadas no encaminhamento de soluções para os casos do Bear Stearns, do Lehman Brothers e do Fortis, por exemplo.

O elenco de recomendações do Comitê começa pelo tema dos poderes das autoridades nacionais para lidar com todos os tipos de instituições financeiras em dificuldades. Tais poderes devem ser suficientes para atenuar o impacto sistêmico desses problemas, preservando a normalidade das funções do sistema financeiro e evitando repercussões negativas sobre a economia real. Nos regimes de resolução de problemas bancários, é sumamente relevante que as autoridades possam agir com rapidez e flexibilidade e que suas ações tenham proteção jurídica adequada. O documento destaca, no particular, a necessidade da existência de instrumentos que permitam a rápida transferência de operações, ativos e passivos e fundo de comércio da instituição em dificuldade para uma outra. No Brasil, tal instrumento se encontra previsto na Lei 9.447/97 e foi largamente (e com sucesso) utilizado nas operações do Proer.

Outra característica desejável, segundo o Comitê, é que na resolução dos problemas bancários se busque minimizar a ocorrência de "moral hazard", impondo-se perdas aos acionistas das instituições em dificuldades, bem como aos responsáveis por seu mau desempenho. Nesse aspecto, igualmente, a legislação brasileira pode ser tida como avançada, lembrando-se que a citada Lei 9.447/97 instituiu a responsabilidade solidária dos controladores de instituições financeira nas hipóteses de decretação dos regimes de intervenção e liquidação extrajudicial. No Proer, por exemplo, tal dispositivo impede que os controladores dos bancos quebrados se beneficiem de operações que tiveram por objetivo evitar o risco sistêmico e proteger os depositantes.

Além dos poderes suficientes para lidar com instituições financeiras com problemas, as autoridades devem ter capacidade para estender suas ações às entidades não financeiras que façam parte dos conglomerados. Ou seja, não basta haver base legal e instrumento para atuar em bancos em dificuldade; é preciso também ser capaz de agir em todos os seus tentáculos, inclusive naqueles que não estão, em princípio, sujeitos à supervisão bancária em tempos normais. De fato, entre os problemas encontrados para a liquidação de ativos e passivos de bancos insolventes na crise, cabe menção aos obstáculos legais para extensão dos regimes especiais às empresas não financeiras ligadas a esses bancos. Vale ressaltar que, em relação a esse aspecto, a recomendação do Comitê já é, em linhas gerais, atendida igualmente pela legislação vigente no Brasil, onde os poderes do Banco Central para extensão de regimes especiais a empresas ligadas aos bancos são razoavelmente amplos.

Porém, no que tange aos poderes e instrumentos para a resolução de problemas bancários, há pelo menos dois aspectos em que se percebe a existência de oportunidades para melhorias no arcabouço legal brasileiro. O primeiro deles é a necessidade de se definir clara e previamente a origem do "funding" para eventuais operações de resgate de depositantes ou de mitigação de risco sistêmico. O documento do Comitê da Basileia recomenda que tal função recaia, por exemplo, sobre o fundo de seguro de depósitos. No Brasil, também fruto dos problemas bancários de 1995-1997, já existe o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), entidade de caráter privado e que, no recente episódio de restrição de liquidez para os pequenos e médios bancos, desempenhou um papel de grande relevância na restauração da liquidez no mercado. Porém, há necessidade de aperfeiçoamento da legislação nesse particular.

O segundo aspecto em há um "gap" entre o Brasil e as melhores práticas recomendadas é quanto à segurança jurídica. Como salienta o documento do Comitê, é desejável que as partes não estejam sujeitas a incertezas legais, tendo em conta as características das operações associadas à solução de problemas bancários. Nossa experiência com o Proer é que as instituições que assumiram as operações dos bancos em dificuldades acabaram por se tornar "herdeiras" de contingências por decisões judiciais posteriores. Ademais, os dirigentes do BC foram vítimas de um sem número de ações judiciais por causa do Proer, fato que pode não animar seus sucessores a atuarem de forma proativa no caso de risco de crise bancária sistêmica.

De qualquer forma, o Brasil, felizmente, já observa muitas das recomendações apresentadas pelo mencionado documento, principalmente em função das alterações legais introduzidas na época do Proer e nos anos imediatamente posteriores. Entretanto, há no citado documento do Comitê da Basileia, assim como em outros divulgados no pós-crise, recomendações que devem ser incorporadas ao arcabouço legal brasileiro, assim como à "cartilha" das políticas do Banco Central. Nesse processo natural de incorporação de experiências externas, o importante é não adotar exageros ou recomendações inaplicáveis ao nosso país, cujo sistema bancário passou incólume pela turbulência financeira.

(*) Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do Banco Central do Brasil, é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada. E-mail: [email protected].

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AOS SEUS AUTORES
 


FALE CONOSCO ==> CLIQUE AQUI