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MERCADO DE RENDA VARIÁVEL
Bolsa de Valores


Transparência: melhor vacina para escândalos corporativos
Por Renato Chaves (*) - 14.04.2010

CVM quer a divulgação da maior, menor e da média de remuneração, o detalhamento das parcelas fixa e variável e benefícios dos administradores

Nascida de um longo processo de captura de sugestões junto ao mercado de capitais (Audiência Pública de dezembro/08 a outubro/09), a Instrução CVM 480 trouxe como novidade a obrigatoriedade de apresentação do Formulário de Referência pelas companhias de capital aberto. O objetivo foi oferecer aos investidores informações de maior qualidade, atualizadas permanentemente, abordando aspectos relacionados com atividades, fatores de risco, administração, estrutura de capital, dados financeiros, comentários dos administradores, valores mobiliários emitidos, operações com partes relacionadas etc.

Dentre os diversos tópicos abordados na minuta original, o que certamente gerou um debate mais acalorado foi a remuneração dos administradores. Inicialmente desenhado para exibir a remuneração individual, a exemplo do que é feito em outros mercados, o texto final prevê a divulgação segregada por órgão (conselho de administração e diretoria), com a maior, a menor e a média de remuneração, além do detalhamento das parcelas fixa e variável e benefícios, sem a identificação por cargo, permitindo ao investidor avaliar possíveis distorções nos modelos.

Tal proposta, que inicialmente pode ser considerada uma forma de acalmar as duras críticas da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), deve ser considerada uma enorme evolução quando comparada ao modelo de divulgação vigente até então, em que a remuneração global de administradores era aprovada pela assembleia de acionistas sem transparência sobre a forma de distribuição (parcelas fixa e variável e benefícios), ou sobre o montante destinado a cada órgão. Parecia que a paz estava selada, uma vez que os críticos afirmavam que a divulgação da remuneração individual traria sérios riscos para a segurança dos executivos.

Mas para surpresa geral o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças do Rio de Janeiro (IBEF-RJ), que se eximiu de participar do longo processo de audiência pública, obteve uma liminar em 2 de março que desobriga as empresas que contam com sócios do Instituto em seus quadros a prestar as informações sobre remuneração (a maior, a menor e a média). Nota-se que a liminar está fundamentada em dois pontos: a falta de competência da CVM para regular a matéria e a "afronta indevida ao direito à privacidade dos administradores das empresas de capital aberto, em descompasso com a proteção constitucional".

Por considerar o 1º ponto uma discussão que deve ficar restrita ao campo dos pareceres jurídicos, o presente artigo busca tratar, sob a ótica do investidor, do 2º argumento e seus pilares - privacidade e segurança.

É bom lembrar que, para fins criminosos, o formato anterior de divulgação (remuneração global sem segregação por órgão) já era útil. Bastava uma leitura da ata (publicada em jornal) e a realização de uma simples operação matemática. Vejamos um exemplo prático e emblemático, pois se trata de uma empresa que fez uso da liminar: a assembleia da Souza Cruz de 19/03/09 aprovou uma remuneração global anual de até R$ 20 milhões. Considerando que são oito diretores, podemos "concluir" que cada um ganhou aproximadamente R$ 2,5 milhões naquele ano. E a parcela dos conselheiros? Possivelmente o sequestrador não sabe o significado do termo "conselheiro" no mundo corporativo; pela ótica popular, diretor é quem manda, pois funciona assim até nas escolas de samba (diretor de harmonia, bateria etc.).

É uma forma simplista de trabalhar uma informação "vazia", pois investidores sabem que existem conselheiros remunerados e diferenças de remuneração entre diretores. Mas para o sequestrador pouco importa se a vítima ganha R$ 1,2 ou R$ 2,5 milhões por ano. Diante dos sinais visíveis de riqueza, como casas no Guarujá, Angra dos Reis, carrões blindados, compras semanais na Rua Oscar Freire e viagens semestrais a Paris, o bandido não precisará ler jornais ou visitar o site da CVM para escolher sua futura vítima. Sabe tudo isso, e possivelmente muito mais, a partir de informações de um atual ou de um ex-empregado do executivo. Mas, caso a opção seja pela leitura da citada ata, o trabalho criminoso também será facilitado, pois a referida ata revela endereços residenciais de alguns administradores: Condomínio das Mansões (na Barra da Tijuca, RJ) e Av. Epitácio Pessoa - talvez o m2 mais caro do Brasil.

Na esteira da discussão sobre a privacidade, partindo da premissa de que o maior salário sempre é do presidente da companhia, os opositores da instrução argumentam ainda que as empresas passam a correr maior risco de perda do seu principal talento, uma vez que a concorrência passaria a ter conhecimento da remuneração anual do CEO. Pura balela !!! Quem convive com esses executivos sabe muito bem que, quando o assunto é "reivindicação salarial", eles não recorrem a informações depositadas na CVM. Isso porque existe uma verdadeira indústria de produção de dados sobre o tema; consultorias especializadas, contratadas pelos próprios executivos, estão sempre prontas a apresentar quadros coloridos com detalhes sobre os pacotes de remuneração, elencando as empresas comparáveis (por setor, faturamento etc.) com um refinado tratamento estatístico (posicionamento em quartis). Ou seja, quando a informação interessa ao executivo ela aparece, mesmo que o conflito de interesse seja gritante, já que o contratante do estudo é o beneficiado.

Diante da constatação de que modelos de remuneração desalinhados com estratégias de longo prazo provocaram sérios escândalos corporativos pelo mundo, investidores passaram a exigir mais informações das companhias para se certificar que as remunerações alinham interesses, gerando valor para todos, e não somente para o bolso dos executivos. Nessa linha, o modelo da CVM se revela ponderado, por não expor individualmente os administradores, e de grande utilidade, por permitir que investidores identifiquem possíveis distorções, como benefícios excessivos, desequilíbrio entre remuneração fixa e variável, bônus extras por operações de fusões e aquisições etc.

Fica a constatação de que a informação, mesmo que imprecisa, já existia e poderia servir para o "usuário do mal". Mas pouco servia para os investidores. Por fim, vale questionar o real interesse na manutenção da liminar, visto que mais de 80 empresas já divulgaram as informações no formato da CVM, contra uma minoria de 16 empresas que buscaram abrigo no instrumento jurídico.

(*) Renato Chaves mestre em Ciências Contábeis pela UFRJ, ex-diretor de Participações da PREVI e especialista em governança corporativa. [email protected].

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