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Máquina do apocalipse financeiro
Por Martin Wolf (*) - 23.04.2010

A incapacidade do mercado de swaps de crédito de fornecer qualquer aviso prévio sobre a crise financeira foi particularmente impressionante

Podemos arcar com nosso sistema financeiro? A resposta é não. Compreender o porquê disso é uma condição necessária para se avaliar as ideias para a reforma. Quanto mais cientes estivermos dos riscos, mais óbvio ficará que o radicalismo é a opção mais segura.

As pessoas prestam atenção demasiada ao custo direto dos socorros. Conforme observou Andrew Haldane, do Banco da Inglaterra, autor de vários artigos brilhantes sobre a crise, esses custos podem estar em torno de 1% do PIB nos EUA e no Reino Unido. Os custos que interessam, no entanto, são os da recessão e o enorme salto na dívida pública. Se apenas um quarto da perda de produção do mundo durante a recessão se confirmasse como permanente, o valor presente dessas perdas poderia alcançar 90% da produção mundial anual.

Como isso aconteceu? O setor financeiro tornou-se maior e mais arriscado. O exemplo do Reino Unido é dramático, com os ativos do setor bancário dando um salto de 50% do PIB para mais de 550%, ao longo das quatro décadas passadas. Os níveis de alavancagem caíram acentuadamente, à medida que os retornos sobre o patrimônio se tornavam maiores e mais voláteis. Conforme observa Haldane em outro artigo, a alavancagem é o principal determinante dos retornos sobre o patrimônio e a alavancagem crescente também explica o nível e volatilidade dos retornos do setor bancário. Por fim, o setor bancário também se tornou mais concentrado.

Haldane deplora um "aumento progressivo no risco do setor bancário e o aprofundamento da rede de segurança estatal". Essa é uma "corrida da Rainha Vermelha": o sistema corre para ficar imobilizado, com governos apostando corrida para tornar as finanças mais seguras e os executivos de bancos gerando mais risco. O caminho foi via liquidez, depósito e seguro de capital. Haldane observa que agências de classificação valorizam apoio do governo aos bancos. O apoio do governo deve fornecer uma parte da explicação para os baixos rendimentos que incidem sobre os bônus emitidos por esses estabelecimentos comerciais pesadamente alavancados.

A combinação de seguro estatal (que protege credores) com responsabilidade limitada (que protege acionistas) cria uma máquina do apocalipse financeiro. O que acontece é melhor representado como "negligência racional". Seu efeito mais perigoso surge com os extremos do ciclo do crédito. O mais perigoso de todos é a compulsão sobre as autoridades para explodirem outro conjunto de bolhas de crédito, visando evitar o impacto arrasador da implosão dessas últimas. No fim, o que acontece com as finanças não é o que mais importa e sim, o que as finanças fazem com a economia mais ampla.

Será que o inflado sistema financeiro atual gera ganhos que justificam esses custos? Em discurso recente, Adair Turner, presidente do conselho de administração do Financial Services Authority, (órgão regulador do sistema financeiro) do Reino Unido, argumentou que não (What do banks do, what should they do? www.fsa.gov.uk). Sistemas financeiros são importantes servidores da economia, mas são patrões medíocres. Uma grande parte da atividade do setor financeiro se assemelha a uma máquina de transferir renda e riqueza de pessoas de fora do sistema financeiro para pessoas dentro dele, aumentando, enquanto isso, a fragilidade do sistema como um todo. Considerando-se a magnitude das distorções induzidas pelo governo no sistema, mesmo o mais ferrenho defensor do livre mercado deveria aceitar isso. É difícil enxergar algum benefício substancial decorrente da pesada alavancagem da economia e, acima de tudo, o setor imobiliário, que vimos recentemente. Isso apenas gerou ganhos ilusórios na escalada e sofrimento real no declínio.

Como observa Turner, a promessa da securitização comprovou ser parcialmente ilusória. Os argumentos usados em seu favor - "complementação de mercado" e a capacidade de prover crédito de forma mais ampla- parecem extremamente questionáveis. A incapacidade do mercado de swaps de crédito de fornecer qualquer aviso prévio sobre a crise financeira foi particularmente impressionante.

Então, o que deve ser feito? Para responder é preciso partir do reconhecimento dos principais perigos: os países ricos, com suas baixas taxas básicas de crescimento econômico e enormes custos de envelhecimento, não podem possivelmente se permitir mais uma crise; segundo, o tema importante é o impacto na economia.

Um conceito, popular nos círculos republicanos nos EUA, é o "simplesmente diga não" a socorros. Isso é uma ilusão. O governo não pode se comprometer de forma confiável a não socorrer o sistema quando esse correr perigo. Outra ideia, popular entre liberais dos EUA, é que o tema principal é "grande demais para falir". Haldane mostra que o seguro implícito a bancos enormes é maior do que para os de menor porte.

É importante, contudo, não exagerar o significado do tamanho por si só. A exemplo do que aconteceu nos EUA na década de 1930, o colapso de muitos bancos pequenos e não diversificados pode ser extremamente destrutivo. Tamanho importa. Mas não é tudo o que conta.

Uma terceira noção é que o tema importante é plenitude regulatória. Discute-se que, se a fiscalização tivesse sido efetivamente imposta, o padrão de superalavancagem e inadimplência teria sido detido. Isso, igualmente, é improvável. É difícil regular as finanças contra os incentivos daqueles que as administram. Sem rodeios, isso significa que os participantes devem temer as consequências de cometer erros graves, não simplesmente de serem instruídos a parar.

No fim, deter a máquina do apocalipse financeiro deverá envolver mudanças fundamentais na política e na estrutura do sistema financeiro. Há duas abordagens abrangentes atualmente em discussão. A oficial é fazer algo parecido em linhas gerais com o sistema atual muito mais seguro, por meio da elevação das exigências de capital e de liquidez, transferindo derivativos às bolsas e fiscalizando a regulamentação prudente. A alternativa é reforma estrutural. Qual será a opção menos ruim? Pretendo abordar esse tema na próxima semana.

(*) Martin Wolf é editor jornalístico e comentarista econômico inglês.

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