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- Economia -
     Agosto / 2004


2ª quinzena - Impacto do Imposto Único no "triângulo intocável"
1ª quinzena -
Triângulo interrompido


Impacto do Imposto Único no "triângulo intocável"
POR MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
DDOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, PROFESSOTR-TITULAR E VICE-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV)

Algumas propostas têm sido apresentadas ao governo como alternativas para a atual política econômica, entre elas a redução acelerada dos juros, a renegociação da dívida pública, a depreciação acentuada do câmbio e o afrouxamento do superávit primário. Em artigos anteriores, procurei avaliar a consistência dessas medidas. Todas, se adotadas isoladamente, propiciariam algum crescimento econômico, mas não seriam capazes de, concomitantemente, preservar a integridade do "triângulo intocável", ou seja, controlar a inflação, reduzir o endividamento público e manter o equilíbrio do balanço de pagamentos.

Se, isoladamente, tais medidas podem causar efeitos colaterais indesejáveis, poderia uma combinação delas gerar crescimento com equilíbrio do "triângulo"?

A conclusão, ilustrada na tabela nesta página, é que a adoção combinada dessas ações não teria efeito benéfico significativo na relação dívida/PIB; seria péssimo para o controle da inflação, uma vez que todas as medidas pressionariam o nível geral de preços; e o balanço de pagamentos sofreria deterioração acentuada.

Qual seria, então, a saída?

O texto da "Carta do Ibre", publicado na "Conjuntura Econômica" do mês passado, indica o caminho. "A experiência internacional mostra que a estabilidade macroeconômica, embora seja fundamental para o crescimento sustentado, não é condição suficiente... Crescimento sustentado é um fenômeno microeconômico, ligado aos incentivos econômicos que estimulam o trabalho, a acumulação de fatores de produção e o empreendedorismo." O Ibre conclui sua análise afirmando que "não se obteve o ajuste fiscal por intermédio do sadio corte de despesas correntes... mas pela nefasta exação tributária que elevou a carga a 36% do PIB. Esse é o nó górdio a ser desatado pela sociedade brasileira".

A ação fundamental para colocar o país na rota do crescimento sustentável de longo prazo reside no âmbito tributário. A reforma tributária sadia deve ter como diretrizes a simplificação; a expansão do universo de contribuintes; a redução dos custos tributários para os trabalhadores, empresas e o poder público; e o combate à sonegação, à evasão e à informalidade.

A urgente necessidade de uma reforma tributária foi percebida no início dos anos 90. Mas, enquanto o Congresso e a sociedade discutiam alternativas, sorrateiramente o governo programou medidas pontuais de caráter meramente arrecadatório. O que era ruim foi ficando cada vez pior, a exemplo da desastrosa reforma efetuada no PIS-Cofins.

Mas qual seria a reforma tributária que atenderia as diretrizes necessárias para um sistema de arrecadação de impostos que estimule o crescimento de longo prazo?

O Imposto Único é a alternativa que se mostra capaz de atender a tal demanda. A adoção dessa sistemática teria efeito positivo sobre a produção, sobre o emprego e combateria a informalidade, a evasão e a sonegação. Sua automaticidade reduziria os custos administrativos para o governo e para as empresas.

Em simulação utilizando a matriz insumo-produto do IBGE, a substituição do ICMS, do IPI, do INSS patronal e do ISS por um imposto sobre a movimentação financeira com alíquota de 2,65% incidindo sobre o débito e o crédito de cada lançamento bancário reduziria a carga tributária para o setor produtivo em mais de 60%, mesmo sem considerar o peso dos demais tributos que incidem sobra a produção. A desoneração dos rendimentos do trabalho estimularia a expansão do mercado interno, além do aumento do poder aquisitivo dos salários causado pela redução dos custos de produção e dos preços.

E qual seria o impacto do Imposto Único no equilíbrio do "triângulo intocável"?

A redução da cunha fiscal nos custos de produção poderia recompor as margens de lucro do setor produtivo e alavancar os investimentos; e a menor carga de impostos sobre os salários elevaria a renda disponível, com efeito positivo sobre o mercado consumidor. O resultado seria o crescimento do PIB e a conseqüente queda na relação dívida/PIB.

No tocante à inflação, a queda nos custos de produção faria cair o nível geral de preços. A estrutura de mercado em cada segmento produtivo ajustaria as margens de lucro e o nível dos salários nominais.

Quanto ao balanço de pagamentos, o impacto seria positivo em razão da maior competitividade da produção nacional. Com melhoria do saldo das transações correntes, o país reduziria sua vulnerabilidade externa, reduzindo a necessidade de atração de financiamento externo e aumentando a atratividade do mercado brasileiro para os investimentos diretos internacionais.

Uma reforma tributária nos moldes do Imposto Único é a única medida que pode efetivamente levar ao crescimento sustentado com redução na relação dívida/ PIB e com equilíbrio no balanço de pagamento e na inflação.


Triângulo interrompido
POR MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
DDOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, PROFESSOTR-TITULAR E VICE-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (FGV)

 
   
  Excepcionalmente, interrompo a série do "triângulo intocável", em razão de fatos lamentáveis ocorridos recentemente na área tributária. Refiro-me à desastrosa tentativa do governo federal de aumentar a contribuição das empresas ao INSS e à decisão de adiar a desoneração da folha de salários. Tais fatos explicitam a precariedade técnica da administração tributária brasileira.

Os desencontros na área tributária brasileira, verificados rotineiramente nos últimos anos, têm mostrado a falta de visão estratégica que impera nas decisões envolvendo as finanças públicas. Prevalecem os desmandos e casuísmos num dos pilares fundamentais para o desempenho eficiente da estrutura produtiva do país.

Como é sabido, o governo federal retirou do armário um esqueleto de R$ 12,3 bilhões gerado entre março/94 e fevereiro/97, período em que os benefícios previdenciários deixaram de ser corrigidos pelo IRSM e foram substituídos pela URV. O reconhecimento da dívida gerou enorme polêmica, e a solução, mais uma vez, foi elevar a já insuportável carga tributária. A contribuição das empresas ao INSS foi majorada de 20% para 20,6%.

Ante a violenta reação da sociedade, o governo recuou e anunciou que, a partir de setembro deste ano, o montante para cobrir o pagamento de R$ 600 milhões para os aposentados sairá do excesso de arrecadação orçamentária obtido no primeiro semestre.

Por outro lado, com a desistência de aumentar o INSS, o governo anunciou que a desoneração da folha de pagamentos das empresas será jogada para 2006.

Os fatos relatados surpreendem por várias razões.

Em primeiro lugar, é lamentável que, ante as constantes e recorrentes notícias de que a receita administrada pela Secretaria da Receita Federal vem batendo recordes sucessivos de arrecadação, o governo federal ainda tenha coragem de cometer a ousadia, para não dizer o disparate, de propor a elevação da absurda carga tributária. Será possível que as autoridades fazendárias não tenham percebido ainda que a atual oneração tributária está gerando uma situação insustentável em nosso país?

A carga tributária se aproxima de 40% do PIB e ocorre dentro de um modelo institucional injusto, ineficiente e corrupto. A cada dia que passa, mais cresce a economia informal, mais as empresas são impelidas à marginalidade, não por vício de caráter do empresariado brasileiro, mas por absoluta imposição de sobrevivência. Estima-se que atualmente 40% da renda do país circule na informalidade.

A economia brasileira está criando um padrão de incidência tributária no qual um número decrescente de contribuintes paga cada vez mais impostos (como os assalariados com carteira assinada, os prestadores de serviços e as grandes corporações multinacionais), ao passo que um contingente crescente de agentes econômicos se refugia na informalidade, respaldado na deterioração dos valores éticos e morais que a cidadania deveria preservar. Ao mesmo tempo, um segmento pequeno, ainda que crescente da sociedade brasileira, concentra parcelas cada vez mais amplas da riqueza e da renda nacionais, agravando o angustiante problema da estreiteza do mercado interno.

Falta aos administradores públicos a percepção de que o problema da concentração de renda no Brasil é em grande parte gerado pelo modelo tributário brasileiro, que tributa os setores com pouca capacidade contributiva e trata com displicência os que praticam a sonegação, os negócios escusos e a fuga de capitais para os paraísos fiscais espalhados em todo o mundo.

É surpreendente, portanto, que nesse ambiente institucional o governo cometa o desatino de propor nova elevação da incidência tributária sobre folha de pagamentos, desestimulando o emprego e reduzindo ainda mais a capacidade competitiva da produção nacional.

Felizmente a reação contrária à decisão de aumentar a contribuição ao INSS sobre folha de pagamentos fez o governo recuar dessa infeliz determinação, que por si só deveria ser acompanhada, fosse a administração federal minimamente consciente de suas responsabilidades, da imediata demissão dos agentes públicos que lhe deram origem.

Cinicamente, o governo descobre fontes de recursos na rubrica "excesso de arrecadação", o que sempre esteve à vista de todos e que o presidente e seus ministros tinham a obrigação de saber que existia antes mesmo de sofrerem o desgaste de voltar atrás em suas decisões.

Desgraçadamente, contudo, o recuo dessa malsinada medida foi acompanhada por outra ainda mais nefasta.

Descumprindo a determinação constitucional, incorporada na anedótica reforma tributária de 2003, o governo anuncia que vai adiar as medidas de desoneração da folha de salários das empresas para 2006. Além disso, para decepcionar ainda mais, o esperado rol de medidas para reduzir a carga tributária foi anunciado na última sexta-feira, por meio de uma medida provisória, e trouxe uma redução menor dos impostos para compensar a desistência da elevação do INSS das empresas. Em realidade o governo tirou em dobro, com uma mão, o que concedeu com a outra.

Ao deixar de reduzir os encargos tributários sobre a folha de pagamento das empresas, o governo condena a sociedade brasileira a continuar sendo, segundo o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), o segundo país no mundo que mais tributa os salários.

Enquanto a taxa de desemprego ainda supera 11% da força de trabalho, enquanto o subemprego e a economia informal tornam as relações trabalhistas cada vez mais precárias e enquanto o mercado doméstico ainda padece dos efeitos causados pelos baixos níveis de rendimento interno, as autoridades econômicas desferem mais um golpe de açoite no infeliz trabalhador brasileiro.

Por que tanta insensibilidade?

Mas quem sabe a pergunta ainda mais intrigante seja o porquê de tanta inoperância e tanta passividade dos contribuintes brasileiros ante essa calamitosa situação.


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