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- Economia -
     Julho / 2004


2ª quinzena - Câmbio e o "triângulo intocável"
1ª quinzena -
Repactuação da dívida pública e o "triângulo intocável"


Câmbio e o "triângulo intocável"
Por  Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
Doutor pela Universidade Harvard, professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas

    Vimos nos artigos anteriores que tanto a queda dos juros, no ritmo que o mercado deseja, como a renegociação da dívida mobiliária são medidas que, se adotadas isoladamente e na intensidade desejada pelos seus defensores, poderão desestabilizar o delicado equilíbrio exemplificado no "triângulo intocável". Recapitulando, a boa política econômica demanda um conjunto de ações capaz de promover simultaneamente o controle da inflação, a redução da dívida pública e o equilíbrio das contas externas. 

    No artigo de hoje, vamos avaliar qual seria o impacto de uma política cambial ativa que visasse a depreciação da moeda nacional. Seria uma maneira de gerar novos surtos de crescimento econômico mediante a substituição do modorrento mercado interno pelo dinâmico mercado internacional. 

    Até 1998, o Brasil adotou um rígido sistema cambial, no qual o poder público exercia um controle direto sobre a paridade da moeda nacional. Essa política contribuiu para o sucesso do Plano Real, uma vez que a política econômica enfatizou o manejo da taxa de câmbio como fator de incremento na oferta de bens em um mercado interno com demanda aquecida, evitando, dessa forma, pressão sobre a inflação. 

    A "âncora cambial" foi instrumento determinante no controle dos preços, mas também gerou alterações estruturais nas contas externas. As importações saltaram de US$ 33 bilhões em 1994 para US$ 58 bilhões em 1998. No mesmo período, as viagens internacionais passaram de US$ 1,2 bilhão para US$ 4,1 bilhões. Com isso, o saldo negativo das transações correntes do país saltou de US$ 1,7 bilhão para US$ 33,4 bilhões em quatro anos. 

    A adoção do câmbio flutuante a partir de 1999 veio acompanhada de uma política de juros elevados como forma de desaquecer a demanda interna e inverter o rombo das transações correntes. Desde então a economia brasileira vem registrando crescimento acelerado da dívida pública, forte recrudescimento do mercado interno, carga tributária em níveis absurdos e crescimento médio do PIB entre 1999 e 2003 de mísero 1,6%. 

    Vale citar que, mesmo não exercendo controle direto sobre o câmbio, o governo pode atuar no monitoramento da taxa cambial e intervir decisivamente quando a depreciação ou a valorização da moeda atinge determinado limite. E qual seria o impacto da depreciação cambial sobre o "triângulo intocável"? 

    O ajuste nas contas externas a partir de 1999 mostra que o país saiu de um déficit nas transações correntes de US$ 33 bilhões para um superávit de US$ 4,1 bilhões em 2003. O elemento determinante dessa rápida transição foi a inversão do saldo comercial, que passou de um déficit de US$ 1,3 bilhão para um superávit de US$ 24,8 bilhões no período, fato possível pela expansão acelerada das exportações, cujo total cresceu mais de 50% em três anos. 

    A adoção do câmbio flutuante corrigiu parte de desequilíbrios provocados pelo câmbio controlado. Apenas em 1999 a taxa de câmbio nominal acumulou uma desvalorização superior a 50%, ante uma inflação medida pelo IGP-M de pouco mais de 10%. 

    O câmbio flutuante contribuiu para a expansão das exportações, mas boa parte desse crescimento deve ser atribuída à expansão de economias como a americana e a chinesa. A forte demanda desses países no mercado internacional favoreceu o Brasil, cujas vendas de produtos básicos cresceram quase 80% de 1999 a 2003. 

    A possibilidade de uma queda nos preços das commodities, em razão de um cenário que aponta o esfriamento das economias chinesa e americana, vai intensificar os argumentos em favor da depreciação mais intensa do câmbio como fator de manutenção da expansão das exportações e, conseqüentemente, do crescimento da economia. 

    Em resumo, a depreciação cambial mais acentuada gera efeito positivo sobre o balanço de pagamentos em razão do impacto sobre o saldo comercial. 

    No lado da inflação do "triângulo intocável", a depreciação cambial terá efeito negativo sobre o nível geral de preços da economia. Os "tradeables" se tornam mais caros, e as conseqüências altistas nos preços serão sentidas num primeiro momento pelos segmentos importadores de matérias-primas. 

    Indicadores como o IGP-M (Índice Geral de Preços), da Fundação Getúlio Vargas, que capta as oscilações cambiais por meio do IPA, mostram que a adoção do câmbio flexível impulsionou o nível geral de preços no final dos anos 90. Enquanto o IGP-M acumulou mais de 89% entre 1999 e 2003, o IPCA registrou 47%. 

    Em última instância, as empresas vão repassar a elevação de seus custos aos preços. O Brasil, que tanto lutou contra uma inflação selvagem, não pode dar margens para sua volta. 

    No lado do endividamento, a desvalorização da moeda nacional vai dificultar uma situação na qual os administradores da dívida pública travam uma árdua luta no sentido de diminuir a vulnerabilidade externa do país. A indexação da dívida pública mobiliária ao câmbio, que era de 15,4% em 1997, chegou a 29,5% em 2001. Em março deste ano, o câmbio era o indexador de 8,5% de uma dívida que somava R$ 759,8 bilhões. 

    Mesmo considerando a queda na vulnerabilidade cambial do país, o aumento dos juros nominais, em razão da elevação da inflação, vai exigir maior desembolso de recursos para saldar os serviços da dívida pública, o que pressionaria o déficit público e o aumento do endividamento. Em suma, a dívida pública cresceria com a depreciação do câmbio. 

    Na verdade, a desvalorização cambial, isoladamente, mostra-se apenas um instrumento que equaciona um problema de um lado, mas, por outro, gera distorções de difícil correção. 


Repactuação da dívida pública e o “triângulo intocável”
Por  Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque
Doutor pela Universidade Harvard, professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas

Dando seqüência à série de artigos iniciada na quinzena passada vamos analisar hoje mais uma alternativa para impulsionar a retomada do crescimento econômico brasileiro: a renegociação da dívida mobiliária do governo. Como afirmado nos textos anteriores, a boa política econômica requer um conjunto de ações que afete positivamente os lados do “triângulo intocável”, ou seja, que permita simultaneamente a redução do endividamento público, o controle da inflação e o equilíbrio do balanço de pagamentos.

Praticar uma política que promova o desenvolvimento, mas que afete negativamente um desses pré-requisitos essenciais para o crescimento auto-sustentável da economia a médio e longos prazos, seria política populista e que apenas daria seqüência à características de “stop-and-go” que vem marcando a evolução da economia brasileira nos últimos 20 anos.

Renegociar a dívida mobiliária compreende a redefinição de novos termos para um compromisso público que cresceu aceleradamente a partir de meados dos anos 90 pela assunção de dívidas de Estados e municípios e de “esqueletos” pela União. Além disso, a estratosférica taxa de juros praticada no país contribuiu para a explosão do endividamento nacional. De 1994 a 2003, a dívida mobiliária em relação ao PIB quase triplicou.

A dívida líquida do setor público consolidado (União, Banco Central, Estados, municípios e estatais) registrou um estoque no final de março deste ano de R$ 924,4 bilhões, montante correspondente a 57% do PIB. Desse total a dívida mobiliária do Tesouro Nacional corresponde a R$ 710,5 bilhões.

No PAF (Plano Anual de Financiamento) apresentado pela Secretaria do Tesouro Nacional para o ano de 2004, o estoque da dívida mobiliária em poder público era de R$ 731,4 bilhões em dezembro de 2003, com prazo médio de 31,3 meses e 35,3% do total a vencer em 12 meses.

O PAF mostra ainda que esse estoque no final de 2003 era indexado em 61,4% à Selic, 13,6% a índices de preços, em 12,5% a juro prefixado, em 10,8% ao câmbio e em 1,8% à TR.

A dívida mobiliária brasileira é de alto custo e de prazo muito reduzido quando comparada com a de outros países. A taxa real de juro de cerca de 10% ao ano é a segunda maior do mundo. Segundo estudos da Globalinvest, em abril deste ano, o juro real médio anual era de 0,8% nos países desenvolvidos e de 4% nos países emergentes. A média mundial era de 2,2%.

O perfil da dívida mobiliária brasileira é o retrato de um país com economia instável e de risco elevado. Mudar essa situação somente seria possível por meio de um processo de crescimento sustentado, com estabilidade monetária e com regras conhecidas.

Recentemente alguns economistas voltaram a propor a renegociação da dívida como alternativa para a crise de crescimento do país. Segundo esse grupo, a redução do serviço da dívida tornaria possível a retomada do crescimento da economia.

Os defensores da renegociação argumentam que a medida não teria a conotação de calote, uma vez que deveria ser adotada de modo consensual com os credores. Ou seja, não haveria quebra de contrato, e sim uma proposta negociada de tal forma que a dívida seja honrada no futuro.

O efeito dessa proposta de renegociação da dívida sobre o “triângulo intocável” mostra que a ampliação dos prazos de vencimento e a redução das despesas com os juros poderiam canalizar recursos para investimentos na ampliação e na modernização da estrutura produtiva brasileira. Os encargos exigidos pelo endividamento público vêm sendo um dos principais fatores de pressão na carga tributária. São um elemento determinante na transferência de renda da produção para os rentistas.

No ano passado, as despesas com juros somaram quase R$ 150 bilhões e neste ano devem ultrapassar os R$ 180 bilhões. O déficit público que o país registra todo ano é em grande parte explicado pelo custo do serviço da dívida, que, se reduzido, permitiria a realização de investimentos na deteriorada infra-estrutura física e na maior oferta de crédito para o setor privado.

O efeito do maior fluxo de investimentos seria um maior crescimento do PIB e, conseqüentemente, a proporção da dívida em relação ao PIB seria declinante.

Portanto a renegociação equacionaria o problema do lado do endividamento do ”triângulo”, ou seja, teríamos uma redução na relação dívida/PIB.

Por outro lado, a renegociação da dívida pode deflagrar um abalo na credibilidade do país ante os investidores. O fator “expectativa” é determinante para o movimento da economia. O aumento da incerteza, ou seja, a desconfiança dos aplicadores em fundos de investimentos, aplicação lastreada em títulos públicos federais, poderia acarretar a fuga de capitais.

A mudança de posição dos rentistas tenderia a ser direcionada para ativos como imóveis e moeda estrangeira. A maior demanda por essas aplicações teria como efeito a pressão sobre o nível geral de preços da economia. Em suma, renegociar a dívida poderia ter um efeito pernicioso no lado da inflação do “triângulo”.

No lado do balanço de pagamentos, a expectativa de que o governo pode ter dificuldades em honrar seus compromissos irá causar uma retração no fluxo de recursos externos. O capital internacional buscaria alternativas em países em que a percepção da capacidade do governo de resgatar seus compromissos fosse positiva.

Historicamente, as transações correntes brasileiras sempre foram deficitárias, com breves exceções. A entrada de capital externo é fundamental para o país equilibrar o balanço de pagamentos. A renegociação pode deteriorar as expectativas dos investidores externos e comprometer esse equilíbrio.

Em resumo, repactuar a dívida pode não ser medida adequada. Seria um paliativo que poderia criar uma bolha de crescimento, cujo estouro demandaria ajustes de elevado custo social para a correção de desequilíbrios na inflação e nas contas externas do país.

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