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- Economia -
     Junho / 2004


2ª quinzena - O triângulo intocável
1ª quinzena -
Insustentável custo da dívida


O triângulo intocável

Na segunda-feira, 10.05.2004, o vice-presidente da República, José Alencar Gomes da Silva, reuniu em Brasília seu partido, o PL, para discutir como desmontar a armadilha na qual a economia brasileira se enredou.

Há que reconhecer que a política de estabilização adotada desde o Plano Real foi um sucesso. A estratégia adotada foi o uso da âncora cambial, conjugada com a necessária manutenção de altas taxas de juros reais.

Duas variáveis, inflação e endividamento, sintetizam com clareza a meta e os respectivos custos decorrentes da política de estabilização no Brasil. A queda da inflação acompanha a concomitante elevação do endividamento público. A estagnação e o desemprego são conseqüências imediatas dessa conjuntura.

As proclamações de esgotamento do atual modelo econômico afirmam que, apesar dos juros altos e do aperto fiscal, a dívida segue crescendo.

No primeiro trimestre deste ano, o superávit primário somou R$ 20,5 bilhões, ou 5,41% do PIB (Produto Interno Bruto). A meta acertada com o FMI para 2004 é de 4,25%.

Com os juros nominais elevados, definidos em razão do sistema de meta de inflação adotado em 1998, a obtenção dos superávits primários não tem sido suficiente para reduzir o endividamento público.

Em 2003, mesmo com um esforço fiscal da ordem de 4,3% do PIB, os juros nominais absorveram 8% do PIB. O déficit público no ano passado foi de 3,7% do Produto Interno Bruto. Logicamente, enquanto os desembolsos com juros nominais se posicionarem acima do superávit primário, o endividamento será crescente.

Para atender a necessidade de pagamento dos juros, as contas públicas brasileiras exigiriam um esforço fiscal cavalar, impensável num cenário de crise acentuada como a que o país vive.

A experiência com o mecanismo do superávit primário tem se mostrado ineficiente para o país equilibrar suas contas públicas. A pressão sobre a já insuportável carga tributária promove uma brutal transferência de renda em favor do setor público, impedindo investimen.tos na produção ou em áreas sociais vitais para o desenvolvimento do capital humano.

Como reflexo desse complexo quadro estrutural, qualquer conjunto de políticas econômicas adotado em substituição à atual não pode estar dissociado de cuidadosa análise dos impactos em três variáveis-chave que condicionam a viabilidade de sua implementação: a recidiva inflacionária, a expansão do endividamento e a ameaça de uma crise cambial. Essas três variáveis formam um triângulo intocável, cuja integridade não pode ser ameaçada sob pena de agravar a fragilidade do atual quadro estrutural da economia brasileira ou até mesmo de pôr a perder todas as conquistas obtidas até o momento pelo Plano Real.

Feitas essas observações, é fácil perceber as razões pelas quais o país acha-se paralisado, quase inerte, ante a adoção de uma política de crescimento econômico. As opções usualmente apresentadas impactam negativamente pelo menos um desses três critérios de viabilidade, o que tornaria a opção desaconselhável.

É possível identificar quatro propostas básicas de política de crescimento econômico: a redução dos juros, a renegociação da dívida, a depreciação da moeda nacional e a redução do superávit primário.

A redução dos juros é a proposta mais comum. Sua defesa vem acompanhada de críticas à estratégia gradualista adotada pelas autoridades econômicas. A renegociação da dívida já teve, no passado, defesa mais veemente do que se vê atualmente, mas o exemplo dado pela Argentina em seu recente entrevero com o FMI (Fundo Monetário Internacional) reacendeu o ânimo daqueles que propõem a adoção de políticas voluntaristas de redefinição de juros e prazos com os credores, internos e externos, da dívida pública.

A desvalorização mais acentuada do real busca nos mercados externos um sucedâneo ao minguante mercado interno, vitimado pela recessão e pela retração do poder aquisitivo nacional. A redução do superávit primário vem sempre acompanhada de conotações nacionalistas de críticas aos acordos com o FMI e busca defender a adoção de uma política fiscal expansionista.

Variações e combinações dessas quatro linhas de política econômica são usualmente defendidas por empresários e analistas econômicos. Contudo um simples exercício de análise de sensibilidade mostrará que a adoção de qualquer uma delas, isoladamente e na intensidade necessária para dar início a um imediato processo de crescimento econômico, afetará negativamente um dos três lados do triângulo crítico de viabilidade. Daí o impasse vivido pelo país.

Nos próximos artigos, neste mesmo espaço, analisaremos o impacto e a viabilidade dessas medidas de política econômica, confrontando-as com a necessidade inexorável de respeitar o triângulo intocável. Mas gostaria de antecipar um resultado que saltará à vista.

As medidas que podem inverter o atual quadro de desalento encontram-se no âmbito tributário.

A reforma tributária ainda está por ser feita. A substituição gradual de tributos incentivadores da sonegação por um tributo sobre a movimentação financeira terá impacto sobre a atividade produtiva, com conseqüente queda no estoque da dívida pública.

Uma reforma tributária calcada em tributos não-declaratórios, nos moldes da filosofia do imposto único, será a única e solitária alternativa para colocar o país em nova rota de crescimento econômico, mantendo-se absoluto respeito às condições impostas pelo triângulo intocável. É o que veremos nos próximos artigos.


Insustentável custo da dívida

O desempenho da economia brasileira nos últimos 20 anos tem sido medíocre. A expansão média do PIB, que fora de 8,8% na década de 70, registrou 3% nos anos 80, 1,7% na década de 90 e 1,8% no período de 2000 a 2003.

A expansão do desemprego, reflexo também de causas estruturais que acometem todo o mundo moderno, tem como um de seus determinantes o anêmico desempenho da economia nacional. Em fevereiro deste ano o IBGE divulgou que 2,5 milhões de trabalhadores estão desempregados nas 6 regiões metropolitanas pesquisadas pela Instituto.

É dramático que uma sociedade que já foi exemplo e paradigma de dinamismo e de capacidade de transformação (que como dizia o professor Charles Kindleberger, representa a essência do desenvolvimento) tornou-se uma nação que, apesar de todas as suas potencialidades materiais e humanas, não vislumbra alternativas de emprego para seus cidadãos e cria uma política de migração ao exterior para dar vazão aos seus “excedentes” populacionais, como recentemente divulgado pela imprensa brasileira.

Pior e mais ameaçadora do que as agruras do presente, é a falta de esperanças no futuro. O país não consegue vislumbrar perspectivas de reversão imediata.

Estruturalmente a sociedade brasileira se afunda em seus próprios problemas, na medida em que não mostra ser capaz de inverter uma tendência de aumento da concentração de renda, de estreitamento de seu mercado interno e de passividade frente a expansão do endividamento público, que saltou de R$ 108 bilhões em 1995 para mais de R$ 900 bilhões em 2003. Recursos que poderiam atender às necessidades de consumo e investimento da sociedade brasileira, contribuindo para gerar emprego e renda, são desviados para o atender as exigências impostas pela irresponsável política que gerou a acumulação acelerada de dívida pública nos últimos dez anos.

Em 2003 a dívida pública absorveu quase R$ 150 bilhões, montante equivalente a soma dos gastos da União (excluindo a Previdência) com a prestação de serviços públicos de saúde, educação, defesa, reforma agrária, assistência social, transportes, etc. Para 2004 o orçamento prevê despesas com a dívida da ordem de R$ 183 bilhões.

Essa situação é insustentável. O país não suporta mais conviver com uma situação dramática que parece não ter fim. Para fazer frente a uma dívida que não pára de crescer a economia tem que conviver com uma crise social brutal, situação esta que impõe riscos cujas conseqüências são imprevisíveis para toda a sociedade.

- Texto de Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque -
Doutor pela Universidade Harvard, professor-titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas

PUBLICAÇÕES AUTORIZADAS EXPRESSAMENTE PELO DR. MARCOS CINTRA
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