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Setembro / 2004
2ª
quinzena - Novas fontes de investimentos públicos
1ª quinzena - Vôo
de galinha
Novas
fontes de investimentos públicos
O
leilão de Cepacs (Certificados de Potencial Adicional de Construção)
realizado no último dia 20 de julho foi um sucesso, diz a Prefeitura
de São Paulo. Em apenas 15 minutos foram negociados 100 mil títulos,
que geraram R$ 30 milhões para investimentos em projetos urbanísticos.
Os recursos serão aplicados na construção de duas pontes
e 600 casas na zona sul da cidade de São Paulo.
O fato deveria merecer aplausos
e elogios dirigidos à administração petista. Mas, infelizmente,
a verdade é que esse importante instrumento de planejamento urbano foi
impedido de ser aplicado durante cerca de dez anos por um comportamento que
algumas lideranças petistas mais esclarecidas descreveram como oposição
irresponsável praticada pelo PT antes de ser governo. O Cepac cria um novo e inovador
modelo de financiamento para o setor público. Consiste na securitização
do direito de construir e em fonte de recursos para viabilizar investimentos
sociais e de infra-estrutura urbana. O mecanismo será uma das fontes
de recursos da Operação Urbana Água Espraiada, e a previsão
é que em 15 anos sejam emitidos 3,75 milhões de títulos,
que vão gerar arrecadação de no mínimo R$ 1,1 bilhão
para ser investido na região. A proposta do Cepac surgiu
em 1994, por meio de um projeto de minha autoria, apresentado à Câmara
Municipal de São Paulo. O projeto de lei 259/94 foi aprovado em 9 de
março de 1995, após ter recebido entusiástica avaliação
em um congresso de administradores públicos realizado em Toronto, no
Canadá. Desgraçadamente,
a implantação do Cepac foi barrada judicialmente por iniciativa
do então vereador do PT José Eduardo Martins Cardoso, que afirmou
que o projeto seria desastroso para o urbanismo da cidade. Os argumentos utilizados
na tentativa de destruir o Cepac não se sustentaram e foram derrubados
na Justiça. Depois de um longo processo
administrativo, a lei do Cepac chegou ao Executivo municipal para ser sancionada,
mas acabou vetada pela prefeita Marta Suplicy em agosto de 2001. Na época,
o então secretário das Finanças de São Paulo, João
Sayad, rechaçou categoricamente, em entrevista para a "Gazeta Mercantil",
a idéia do Cepac, ao dizer que "não faria qualquer negócio".
Em outras palavras, Sayad deu a entender que o Cepac poderia degradar a cidade. Curiosamente, após
tantos ataques de vereadores petistas, da própria prefeita e de seu secretário
das Finanças, o Cepac ressurgiu na lei 13.260/01, que criou a Operação
Urbana Água Espraiada, e na lei 13.430/02, que implantou o Plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo. No âmbito
federal, o Cepac foi incluído em 2001 no Estatuto da Cidade, que regulamenta
artigos da Constituição referentes à legislação
urbana. Em 2003, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) baixou
a instrução 401/03 regulamentando a negociação e
a distribuição de Cepac. Em novembro de 2003, a prefeita
Marta, em uma entrevista para o jornal "Valor", afirmou que o então
secretário João Sayad, aquele mesmo que desqualificou o Cepac,
seria o "inventor" do mecanismo e que ele seria fonte de receita para
"tocar e concluir obras". É louvável
o reconhecimento pelo PT dos atributos de um mecanismo que permite ao poder
público financiar seus gastos sem aumentar impostos ou o nível
de endividamento, mas nada pode obscurecer o sabor de irresponsabilidade e oportunismo
que marcou a fase oposicionista do Partido dos Trabalhadores em São Paulo. Há dez anos, quando
apresentei o projeto, dizia que o Cepac poderia criar um novo modelo de financiamento
público. Normalmente as fontes de recursos para investimentos provêm
de maior carga de impostos ou do aumento do estoque de dívida. Ambos
os instrumentos acham-se totalmente esgotados. Ademais, essa forma de financiamento
de obras públicas urbanas acaba gerando séria iniqüidade,
pois um reduzido grupo se apropria dos benefícios por meio da valorização
imobiliária, enquanto os custos alcançam toda a sociedade. O Cepac resolve dois problemas.
Capta recursos não-tributários para financiar gastos públicos
e absorve para a coletividade a renda diferencial gerada por investimentos governamentais,
renda essa normalmente absorvida pelos agentes privados. É bem provável
que, se o Cepac tivesse sido utilizado ao longo dos dez anos desde sua aprovação
na Câmara de Vereadores de São Paulo, o quadro urbano, financeiro
e tributário do município de São Paulo poderia ser mais
favorável. Mas o que se viu foi uma derrama tributária que tirou
recursos da produção e dos salários. O desembolso tributário
per capita do paulistano cresceu mais de 70% nos últimos três anos,
o dobro da inflação. Felizmente os adversários
ferrenhos do Cepac se rendem à idéia e começam a utilizar
esse instrumento em suas ações. A expectativa é que novos
leilões sejam realizados para captar recursos para a Operação
Água Espraiada, para a Faria Lima e para as quatro novas operações
urbanas de Vila Maria, Vila Leopoldina, Butantã e Ipiranga. O Cepac é uma idéia
pioneira que deu certo. Poderia ser amplamente utilizado por prefeituras e governos
estaduais na implementação de projetos de revitalização
de áreas, urbanização de favelas, intervenções
viárias e na expansão da rede de metrô. No momento em que se discute
a necessidade de novos investimentos para o país, o Cepac surge como
um instrumento tão inovador como as PPPs (Parcerias Público-Privadas),
projeto que o governo federal tenta implementar e que alguns Estados já
transformaram em lei. O sucesso do Cepac e a expectativa
criada com a concretização das PPPs permitirão à
economia brasileira contar com fontes alternativas de recursos diante do quadro
de rigidez orçamentária. Investimentos fundamentais poderão
ser viabilizados com a utilização desses mecanismos inovadores.
POR MARCOS
CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
DDOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, PROFESSOTR-TITULAR E VICE-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS (FGV)
Vôo
de galinha A atividade produtiva
brasileira possui uma característica peculiar: vem sendo marcada por espasmos
de expansão e retração, como demonstrado no gráfico nesta página. É provável
que o crescimento atual - que, aliás, não é tão marcante quanto se propaga,
por ter como base o medíocre desempenho de 2003 - seja mais um vôo de galinha,
de curto alcance. Os dados mais recentes
da conjuntura atual mostram algumas características interessantes.
Em primeiro lugar, o
surto de crescimento é puxado basicamente pelas exportações, ainda que alguns
indicadores já mostrem que a expansão dos setores exportadores já começa a
afetar positivamente o potencial consumidor do mercado interno.
Se o dinamismo do setor
externo não for transmitido ao mercado interno, o país continuará dependente
da conjuntura internacional, sobre a qual não detém nenhum controle. Estará
se relegando a segundo plano o maior potencial da economia brasileira, qual seja
o seu mercado interno potencial.
Em segundo lugar, esse
curtíssimo surto de expansão, que ainda não chegou a completar seu primeiro
ano, praticamente já esgotou a capacidade produtiva de alguns setores. Já
existem gargalos em segmentos como o de suprimento de autopeças e aço. Em
breve eles surgirão em setores estratégicos, como energia elétrica, logística
de transportes e armazenamento e capacidade portuária.
Em terceiro lugar é
possível observar que os investimentos no Brasil ainda estão sendo fortemente
desestimulados pelo sistema tributário e pelo custo do capital. Em outras
palavras, a ausência de condições que estimulem a formação de capital será
sempre uma espada de Dâmocles pendendo sobre o setor produtivo brasileiro e que
a qualquer momento pode decepar qualquer pretensão de crescimento econômico de
médio e longo prazo. Dados da Anefac mostram que os juros anuais cobrados das
empresas em julho de 2004 foram em média de 63% para capital de giro (pico de
296%), de 58% para desconto de duplicata (pico de 449%), de 60% para o desconto
de cheque e de 100% para conta garantida (pico de 342%).
POR MARCOS CINTRA CAVALCANTI
DE ALBUQUERQUE
DDOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, PROFESSOTR-TITULAR E VICE-PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO
GETÚLIO VARGAS (FGV)
Nesse sentido, cumpre apontar que o alto custo do dinheiro é o principal obstáculo a ser superado para garantir um processo de crescimento auto-sustentado. Não se trata apenas de falta de política industrial ou de falta de planejamento. Isso também ocorre. Mas a grande carência ainda reside na ausência de condições microeconômicas que lubrifiquem as engrenagens da economia e propiciem condições operacionais viáveis e duradouras de expansão.
Se o governo, até o momento, vem mostrando um conjunto de significativas realizações do ponto de vista macroeconômico, falta que se lhes dêem continuidade com medidas microeconômicas sólidas. Sem a seqüência de uma política institucional interna de crescimento, será inevitável a continuidade da atual política de fortes restrições monetárias e fiscais. O risco é que os sacrifícios exigidos da sociedade brasileira se tornem insuportáveis, comprometendo sua estabilidade social.
Reduzir o custo do capital e estimular o crescimento da capacidade produtiva é tarefa primordial. O país continua refém do setor bancário e financeiro, que impõe "spreads" bancários absurdamente elevados sobre a taxa de juros básica. Os juros ao tomador estrangulam a capacidade produtiva nacional, concentram renda e geram desemprego.
Quando o Copom, por razões competentemente explicitadas em suas atas, mantém a taxa Selic nos atuais patamares, o faz para preservar as condições macroeconômicas que logrou obter nos últimos anos, ou seja, para manter a integridade do "triângulo intocável" composto pelo controle da inflação, contenção do crescimento da dívida pública e obtenção de equilíbrio nas contas correntes do balanço de pagamentos. Esses resultados não podem ser colocados sob qualquer risco.
Maria Clara do Prado, no último dia 19.08, em sua coluna no "Valor", indaga: "Por que será que o Brasil não consegue crescer um milímetro sem o risco da volta da inflação?". Essa pergunta é também uma resposta aos que tentam entender o porquê do excessivo conservadorismo do Banco Central, que insiste em manter elevada a taxa de juros básica da economia. Trata-se da única âncora disponível. Soltá-la poderá fazer a economia desgarrar.
Por outro lado, se os "spreads" fossem razoáveis, como ocorre em outros países, a taxa de juro ao tomador não deveria ultrapassar 25% ou 30% ao ano, em vez das taxas pornográficas de 70% para as empresas e 140% para as pessoas físicas. Juros civilizados nos colocariam em condições de financiar investimentos produtivos e romper a corrente de transmissão do crescimento à inflação.
O governo já conseguiu obter condições macroeconômicas adequadas. Mas, se não souber aproveitar o empuxo para dar início ao ciclo de reformas microeconômicas, como a reforma tributária, previdenciária, política, agrária, do Judiciário e outras tantas, haverá razões para temer que o país continuará a alçar tão somente alguns risíveis vôos de galinha.
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