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- DIREITO & DEFESA DO CONSUMIDOR -
16 / dezembro / 2005

DIREITO DO CONSUMIDOR
Breve análise da defesa do consumidor no comércio virtual
Por Vitor Morais de Andrade

            Como sabemos, um dos sinais deste início de século é a necessidade de estarmos conectados à internet. As técnicas de transacionar bens e serviços passaram por grandes mudanças, sobretudo nestas três últimas décadas, e a busca de mercados mais amplos e maior dinamicidade nos negócios desenvolveram técnicas de vendas cada vez mais ousadas.

            A sofisticação dos meios de comunicação, como o fax, televisão, computador e a internet, fizeram evoluir os meios tradicionais de vendas hoje realizadas, muitas vezes, sem qualquer contato direto entre as pessoas contratantes. É óbvio que as relações de consumo passaram a acompanhar este desenvolvimento tecnológico, exigindo que da mesma forma sejam regulamentadas.

            Neste contexto, algumas dúvidas surgem no âmbito da proteção e defesa do consumidor: a) Com essa evolução tecnológica, o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/90) continua sendo aplicável ou será preciso criar uma legislação própria para regulamentar as compras efetuadas via internet? b) Que tipo de informação deve o consumidor encontrar no site para que não seja lesado e sejam respeitados todos seus direitos básicos de consumidor?

            Tentaremos responder essas dúvidas nas linhas que seguem, ou ao menos estimular a discussão sobre o tema.

A) Validade do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/90) nas relações de consumo celebradas via internet.

            Seria ilógico pensarmos na necessidade de criação de um novo diploma legal para regrar os direitos e deveres dos consumidores na sociedade de consumo brasileira atual, em face de novas tecnologias que possibilitam apenas uma maior facilidade e crescimento das relações de consumo, mas não têm o condão de diminuir ou excluir a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nas relações de consumo realizadas via internet. O ponto que se retoma, é o da efetividade dessa norma no espaço e não da sua aplicação propriamente dita.

            Seria o mesmo que pensarmos que o anseio de uma sociedade, desenvolvido e alimentado por quase vinte anos, que culminou na criação do nosso Código de Defesa do Consumidor, fosse levado por terra, o que certamente infringiria os mais basilares princípios do nosso Estado Democrático de Direito, sobretudo aqueles inseridos no artigo 1º, III e 5º XXXII da Constituição Federal. Subverter os princípios é pior que violar as próprias normas, faz ir por terra todo o sustentáculo de um sistema jurídico organizado, e do próprio Estado de Direito que se regula. Daí a importância de se manter intactos esses princípios.

            O fato de inexistir disposição expressa no Código de Defesa do Consumidor para que discipline as relações comerciais firmadas através da internet, não quer dizer que seja necessário a criação de um diploma específico para tanto. Ao contrário, a criação de legislações esparsas que muitas vezes se contrapõe ao Código de Defesa do Consumidor, podem ser extremamente maléficas, sobretudo porque podem visar a desarticulação do sistema principiológico criado pela Lei 8.078/90, colocando em risco direitos e garantias conquistadas com muito suor.

            O próprio artigo 1º do Código de Defesa do Consumidor já nos dá subsídio para considerar sua aplicação obrigatória em qualquer negócio jurídico firmado via internet por consumidores e fornecedores situados no Brasil, por considerar as normas de proteção e defesa do consumidor de ordem pública e interesse social. Aliás, a compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento tecnológico foi expressamente prevista pelo legislador ao disciplinar a Política Nacional de Relações de Consumo, no artigo 4º, III do CDC.

            Não bastassem esses princípios, e fazendo uma breve passagem às origens e aos princípios gerais do direito para afastar qualquer pensamento em contrário, nos valemos da brilhante lição de CARNELUTTI, que bem anotou " Ahora bien, háy que agregar que el derecho cuando sale de la oficina legislativa, no es sim más um producto acabado; pelo contrario, para que sirva al consumo, debe ser sometido a una elaboración ulterior". Isso não poderia ser diferente, não é pelo fato de que inventaram uma arma mais sofisticada para matar, que se faz necessário reinventar o crime de homicídio. As relações de consumo firmadas via internet, são as mesmas de outrora, apenas somadas de maior rapidez, conforto e conveniência.

            Ainda que se considere, como crêem alguns, estarmos diante de uma lacuna no direito brasileiro no que diz respeito às relações de consumo feitas via internet, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor seria imperiosa, sem qualquer razão plausível para a criação de um novo diploma especial. Repise-se que modificou-se apenas a maneira em que essas relações são firmadas, mas não a sua natureza.

            Muito ilustrativo é o fato trazido por Maria Helena Diniz, narrando a seguinte história: "no Código Civil que vigorava na Alemanha, as duas principais normas em matéria de policitação eram: a relativa ao caso de oferta entre presentes e a que regulava a proposta dirigida a um ausente. De acordo com o primeiro preceito, a oferta deveria ser afastada se não tivesse aceitação imediata; conforme o segundo, concedia-se um prazo para se dar a resposta. Com a invenção do telefone foi possível que o policitado aceitasse a proposta do ofertante ao mesmo tempo que a recebeu. Surgindo assim a seguinte dúvida: nessa hipótese deve-se conceder a quem recebe a oferta um prazo para decidir? Os tribunais entenderam que havia uma deficiência na lei, posto que o legislador não pôde prever, ao redigi-la, a possibilidade de que a proposta a um ausente fosse aceita imediatamente. Para preencher o vazio, os juízes afirmaram que deveria ser aplicada a primeira disposição, por tratar-se de uma situação análoga à prevista, e existir a mesma razão para soluciona-las de modo igual."

            Também ilustrativa é a proposta de regulamentação de comércio eletrônico elaborada pela Ordem dos Advogados do Brasil, afirmando que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor é obrigatória também nas práticas comerciais de consumo realizadas virtualmente, acrescentando apenas a validade das notificações de consumidores encaminhadas aos seus fornecedores por meio da internet. Também nesse sentido, é a Lei Modelo Sobre Comércio Eletrônico da COMISSION DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DERECHO MERCANTIL INTERNACIONAL (CNUDMI) que diz, expressamente em seu preâmbulo "La presente ley no deroga ninguna norma jurídica destinada a la protección del consumidor."

            Entretanto, a crença de que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor viria a trazer uma proteção efetiva aos direitos dos consumidores, quando realizados com empresas que não possuam sede, filial ou representantes no Brasil, exigindo a aplicação dos meios ordinários de solução de conflito internacional, ainda merece certo resguardo, sobretudo se analisarmos o montante pecuniário que envolve a maior parte dos conflitos de consumo e as custas e tempo que se despenderia com procedimentos judiciais ordinários para solução de conflitos entre litigantes situados em países diversos.

            Refletindo sobre os ensinamentos IHERING que não preconizou por forma alguma a luta pelo direito em todas as contendas, mas somente naquelas em que o ataque ao direito implica conjuntamente um desprezo à pessoa; e confrontando estes ensinamentos com a situação de um consumidor que adquire um bem de consumo via internet de um fornecedor localizado em outro país, perguntamo-nos se seria maior o desrespeito à pessoa se esta optasse por desistir em lutar pelo direito em face dos custos financeiros que isso traria, ou se seria maior o desrespeito à pessoa se esta optasse em lutar pelo direito, mas gastando valores muito superiores ao próprio bem de consumo adquirido, conforme os meios de solução de litígios entre litigantes localizados em países diferentes - para esta questão ainda não temos resposta.

            Ainda assim, como já mencionado acima, inexiste qualquer sistema legal ou processual internacional/mundial que preveja unicamente a proteção dos consumidores que adquiram ou utilizam produtos via internet, quando são realizadas operações internacionais.

            O que existe são algumas diretrizes lançadas por Organizações de cooperação política e econômica. Dentre elas, a que parece abranges todas as propostas já feitas são as diretrizes apresentadas pela ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT (OECD), observada e mencionada em inúmeros dispositivos criados pela Comunidade Européia. Felizmente, todos os princípios insertos nas referidas diretrizes já encontram-se disseminadas por nosso Código de Defesa do Consumidor.

            Um ponto importante a ser ressaltado, é que nas diversas diretrizes espalhadas pelos mais diversos países e Blocos Econômicos, todas parecem concordar que em havendo qualquer conflito de consumo, as regras e os direitos a serem seguidos, serão o do país onde se residir o consumidor. Nesse sentido foi a Conferência de Uniformização do Direito do Canadá , ocorrida em 1998; as Diretrizes do governo de Luxemburgo nº 4641 de 15/03/2000; diretrizes da OECD; diretrizes, recomendações e decisões da Comunidade Européia, dentre outros.

            O Objetivo central dessas diretrizes é certificar que os consumidores "virtuais" tinham as mesmas proteções que nas relações comerciais consideradas tradicionais.

B) Que tipo de informação deve o consumidor encontrar no site para que não seja lesado?

            Conforme já salientado anteriormente, os contratos firmados entre consumidores e fornecedores através da internet não tiveram sua natureza alterada. Portanto, as mesmas garantias que abrangiam antes os contratos de consumo realizados corporeamente, ou seja, através de assinatura de papéis, são aplicáveis aos contratos de consumo feitos via internet.

            Dentre os demais princípios que devem permear os contratos de consumo, inclusive os realizados via internet, estam o princípio da boa-fé objetiva, transparência e da informação.

            Portanto, o consumidor, ao acessar um site além do direito de estar protegido contra a propaganda enganosa ou abusiva, deve ter plena possibilidade de entender todos os aspectos do contrato que pretenda celebrar.

            Em que pese as inúmeras vantagens trazidas aos consumidores com a possibilidade do comércio virtual (realizar suas compras e pesquisas no conforto de sua casa ou trabalho no momento que melhor lhe convier; comparar preços e produtos entre inúmeros fornecedores em várias partes do país e do mundo, etc) alguns riscos são iminentes e precisamos relacioná-los.

            Embora possamos enumerar uma infinidade de riscos, preferimos por separá-los em 4 grupos:

I - A incerteza quanto a qualidade dos bens ou dos produtos;
II - A incerteza quanto a satisfação de suas expectativas e mesmo a real necessidade de aquisição do bem ou serviço, as vezes causadas pelo marketing agressivo;
III - A incerteza quanto a existência de informações completas sobre produto, fornecedor e segurança das transações;
IV - A incerteza quanto aos meios e sua efetividade para reparação de danos.

            Acreditamos que algumas informações ostensivas podem prevenir referidos riscos, sempre com base na transparência e na boa-fé objetiva. Relacionamos os seguintes grupos de informações que entendemos ser de necessário conhecimento do consumidor que pretende contratar via internet, devendo estar disponíveis no site do fornecedor.

1 - Identificação jurídica (a - nome comercial, que nem sempre é o nome do web site; b - número de registro ou licença de órgão oficial que controla a empresa, para permitir que o consumidor possa checar a existência da empresa e sua situação no mercado);
2 - Identificação geográfica do fornecedor (endereço no qual a empresa está estabelecida / telefone / e-mail, etc, a fim de possibilitar ao consumidor a apresentação de eventuais reclamações ou ajuizamento de ações e mesmo um contato direto com o fornecedor);
3 - Nível de segurança do site, (inclusive informando o consumidor que ele pode programar o seu browser para alertá-lo quando estiver recebendo um cookie e as conseqüências se rejeitar);
4 - Característica do produto ou do serviço oferecido (preço / informações técnicas, suas garantias, etc);
5 - Eventual despesa com a entrega do bem ou do serviço, que às vezes encarece muito o valor final do produto ou serviço;
6 - Informações sobre como reclamar ou mesmo devolver mercadorias (e-mail, correspondência, telefone, etc)
7 - Termos e Condições do contrato (meio de pagamento; meio para cancelamento da compra e devolução de mercadoria ou dinheiro; prazo para entrega do produto ou serviço; normas acerca do acusamento do recebimento de pedido e mensagens; direito de arrependimento).
8 - Responsabilidades das partes.

            As informações que julgamos necessárias haver em um site, como enumerado acima, podem ser insuficientes quando consumidor e fornecedor estiverem em países diversos. Talvez o rol de garantias do consumidor pudesse ser completado com informações acerca de quais países são feitas entregas pelo fornecedor, bem como sobre qual será a legislação aplicável em caso de litígio.

            Enfim, nem sempre nosso direito positivo anda pari passu com as novas transformações tecnológicas e sociais, o que não implica, necessariamente, em um vazio jurídico, mas sim um novo campo de trabalho, estudo e suor de todos os profissionais do Direito. Ainda pouco se escreveu sobre o tema que tratamos nas linhas acima, de modo que esperamos ter apenas contribuído com uma breve discussão.

Algumas fontes de pesquisas:

www.uncitral.org - United Nations Commission on International Trade Law
www.planalto.gov.br - Presidência da República Federativa do Brasil
www.mct.gov.br - Ministério da Ciência e Tecnologia
www.mc.gov.br - Ministério das Comunicações
www.mj.gov.br - Ministério da Justiça
www.ecommerce.gov - United States Government - Eletronic Commerce Policy
www.cg.org.br - Comitê Gestor de Internet no Brasil
www.europa.eu.int - Site da Comunidade Européia
www.oecd.org - Organization for Economic Co-Operation and Development

Bibliografia:

ANDRADE, Vitor Morais de. A proteção do consumidor em face do comércio virtual. In: BATISTA, Luiz Olavo (coord.). Novas fronteiras do direito na informática e telemática. São Paulo: Saraiva, p. 17-36, 2001.
CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos - Conflitos Multiculturais da Globalização, Rio de Janeiro, UFRJ, 1995
CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça, tradução de Ellen Gracie Northfleet, Sérgio Antônio Fabris Editor.
CARLINO, Bernardo P. Firma Digital Y Derecho Societário Electrónico, Buenos Aires, Argentina, Rubinzal - Culzoni Editores, 1998.
CARNELUTTI, Francesco. CÓMO NACE EL DERECHO, Reimpresión de la terceira edición, traducción de Santiago Sentis Melendo y Marino Ayerra Redín, Editorial Temis S.A - Santa Fé de Bogotá - Colômbia, 1998.
DINIZ, Maria Helena. Lacunas do Direito, ed. Saraiva, 5ª ed. Pág. 35
Enciclopédia, Mundo Contemporâneo, ed. Terceiro Milênio, 1999, pág 64.
FILHO, Arcy Pitanga Seixas. Cepesq - SAE/PR - Secretaria da Atividades Estratégicas. Artigo publicado na revista " Parcerias Estratégicas"
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel e CINTRA, Antônio Carlos e Araújo. Teoria Geral do Processo, ed. Malheiros, 2000.
HOBSBAWN, Eric J. O novo século: entrevista a Antônio Polito; tradução do italiano para o inglês Allan Cameron; tradução do inglês apara o português e cotejo com a edição italiana Cláudio Marcondes. - São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LUCCA, Newton de; FILHO, Adalberto Simão (coord.). Direito & Internet, ed. Edipro, 1ª ed. 2000.
PAESANI, Liliana Minardi. Internet & Direito, Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - 1999.
RÁO, Vicent. O Direito e a Vida dos Direitos, ed. Revista dos Tribunais, 1999, pág 348
RIOS, Josué. A defesa do Consumidor e o Direito como Instrumento de Mobilização Social, ed. Muad, 1998.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, ed. Malheiros, 3ª ed., 1998.
SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA, Oscar Vilhena (coord.). Direito Global, ed. Max Limonad, 1ª ed., 1999
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VON IHERING, Rudolf. A luta pelo Direito - Rio de Janeiro: Forense, 2001.

MATÉRIA PUBLICADA ORIGINALMENTE NO SITE www.gentevidaeconsumo.org.br 
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