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- DIREITO & DEFESA DO CONSUMIDOR -
01 / outubro / 2005

DIREITO DA INFORMÁTICA
Fui vítima da internet
Professora Márcia Gonçalves de Oliveira (*)

            Como defensora do uso educacional da Internet, sempre faço questão de apresentar aos meus alunos as novidades da Internet e como utilizá-las a seu favor para pedir ajuda, resolver problemas e também para socializar conhecimento. Considero o Orkut a grande idéia da Internet pelo seu potencial de formação de redes de relacionamentos, de distribuir e de compartilhar informações e por ser um meio muito favorável para encontrar pessoas e ser achado.

            Ano passado, inclusive, eu havia solicitado um trabalho sobre o filme “Vítimas da Internet” sobre crimes digitais. Orientei meus alunos que, hoje a Internet não é uma terra sem lei, pois a justiça já começa a atentar para os crimes de Internet e já estabelece punições, embora seja ainda muito difícil descobrir e punir os cibercriminosos.

            Em abril deste ano, ao iniciar as aulas de Internet em uma das disciplinas que leciono, a Informática Essencial, resolvi apresentar aos alunos a grande idéia da Internet – o Orkut. Como para entrar no Orkut é necessário ter um convite, fui obrigada a digitar eu mesma o meu login e senha nas máquinas do laboratório. Nessa aula, os alunos realmente ficaram muito entusiasmados e muitos me pediram convites. Inclusive, um desses alunos, hoje, utiliza o Orkut para saber mais sobre a sua doença, a síndrome do pânico.

            Nesse dia, se acontecesse alguma coisa contra mim em relação ao Orkut, eu mesma teria que assumir toda a responsabilidade, já que acessei com o meu login e senha em todas as máquinas. Não me preocupei porque sabia que no Orkut só podemos alterar a senha se tiver a mesma. Logo, se alguém quisesse fazer algo contra mim faria naquele momento e não depois.

            Os alunos realmente mostraram lealdade. Não houve problemas nessa aula. No entanto, na semana seguinte, um dos alunos pediu-me para entrar no meu Orkut para vê-lo. Como a turma já tinha me dado um voto de confiança, eu mesma me loguei ao Orkut. Perguntei ao aluno se ele queria um convite. Ele disse que só queria ver.

            Durante a minha aula, uma aluna me chamou porque achou estranho o meu perfil, pois havia sido alterado em relação a minha orientação sexual e minhas preferências. Pior que isso, um outro aluno da turma havia recebido um e-mail infame em meu nome através do Orkut e no seu scrap havia mensagens horrorosas como se eu mesma as tivesse postado. O meu scrap também foi alterado – havia confissões da minha parte sobre a minha sexualidade.

            Realmente, se aquela aluna não tivesse me avisado eu estaria desmoralizada diante de toda a minha rede de relacionamentos (profissionais, religiosos e ideológicos) do Orkut. Passei, ainda que por pouco tempo, uma grande vergonha, pois sou muito entrosada no Orkut.

            Fui à máquina do aluno a quem emprestei meu login de Orkut e abri a minha página para ter certeza de que foi ele quem fez as alterações. A página abriu justamente nas partes alteradas. Ele olhou para o lado e sorriu para um dos colegas. Pedi-lhe que fosse direto para a coordenação e solicitei ao suporte técnico do laboratório que gravasse os acessos feitos ao Orkut daquela máquina. Imprimi tudo o que foi postado e enviado por e-mail com a ajuda do aluno que recebeu os e-mails em meu nome.

            Mesmo tendo passado tamanha vergonha e abalada emocionalmente, continuei a aula e fui até o fim. Alertei a turma sobre crimes digitais e continuei a matéria.

            O aluno foi advertido pela escola e outros alunos também foram acusados de envolvimento.

            Eu nunca havia me envolvido com a justiça, mas diante dessa situação eu mesma fui vítima daquilo que ensinei. Dessa forma, para que outros não fizessem o mesmo, decidi abrir um processo por danos morais com apoio da diretora da escola.

            A escola me convidou para uma reunião com a mãe do aluno. Mas como eu sabia que iria ouvir conversa fiada, agi primeiro antes que me fizessem mudar de idéia. Fui ao forum e abri processo por danos morais.

            Logo em seguida, a direção da escola comunicou-me que o rapaz era inocente e que o culpado havia sido outro e sugeriu que a queixa fosse retirada. Fiquei atordoada no momento, mas mantive a minha decisão. Inocente o aluno não poderia ser já que ele mesmo me pediu para acessar o meu Orkut e foi ele quem eu flagrei fazendo as alterações no momento em que fui à máquina dele. Ele pode ter sido ajudado, mas inocente não poderia ser. Os registros dos acessos da máquina onde ele estava me confirmaram isso. Poderia até ter sido outra pessoa no momento em que eu saí do laboratório para pegar o aparelho do ar condicionado, mas durante toda a aula quem estava na máquina de onde foram feitos os acessos foi ele.

            O processo continuou e, sem advogado, eu me empenhei com todo o meu conhecimento para reunir provas. Mesmo tendo sido vítima do Orkut, usei-o para construir a minha defesa. Entrei em várias comunidades de direito e procurei informar-me melhor sobre danos morais envolvendo a Internet.

            Como educadora, coloquei o meu caso no Jornal do meu estado e solicitei uma matéria para alertar a população sobre o problema de difamação e calúnia pela Internet e para informar como agir nessas situações, uma vez que, por falta de conhecimento, muitos são agredidos pela Internet e não sabem como denunciar e, pior que isso, muitos também começam a achar que a Internet é uma terra sem lei e agridem por acreditar que não sofrerão punição alguma.

            O advogado do rapaz que eu acusei entrou com requerimento de que ele é um indivíduo de incapacidade técnica e que tem problemas emocionais pois faz tratamentos psiquiátricos, toma remédios fortes e chegou inclusive a tentar suicídio com corda. Quanto a mim, afirmou que eu “ditei” meu login e senha para todos da turma acessarem, o que não foi verdade já que loguei máquina por máquina para acesso ao Orkut e a agressão aconteceu somente quando o acusado, e somente ele, pediu-me login e senha. Aleguei também que não é porque eu entrego a chave da minha casa para alguém tomar conta que o assalto a ela é justificado.

            A minha defesa foi construída por mim através de duas testemunhas e da impressão dos acessos à máquina onde estava o rapaz que me difamou e me caluniou. Uma das testemunhas confirmou quem estava na frente da máquina no dia em que aconteceu a agressão e a outra confirmou os acessos feitos à minha conta de Orkut pela máquina em que estava o acusado.

            Acredito que a sentença da juíza foi concluída, quando, a pedido do advogado, a juíza chamou a mãe do acusado. Ela fez o dramalhão, lógico. Mas aproveitei a ocasião para perguntar se o seu filho fazia curso de japonês. Eu, como professora, não sou capaz de fazer um curso desses. Como uma pessoa incapaz tecnicamente pode fazê-lo? A mãe dele ficou realmente sem ação, principalmente depois de eu lhe informar das excelentes notas do filho em uma matéria de raciocínio lógico como Técnicas de programação de computadores. A juíza olhou para mim e na sua expressão já vi o resultado da sentença.

            Eu ganhei a causa por danos morais. E, como eu afirmei, se eu ganhasse essa causa, faria alarde. Hoje, eu posto em várias comunidades como denunciar agressões pela web, caço, alerto e denuncio aqueles que difamam, caluniam ou fazem apologias ao crime através do Orkut e, nas minhas aulas exponho o meu caso para que sirva de exemplo para os outros não fazerem o mesmo.

            É necessário tornar o problema explícito para que haja de fato uma mobilização para eliminá-lo. Enquanto as pessoas acreditarem que nada pode ser feito para conter os delitos que se alastram pela Internet e outros acreditarem que podem fazer o que quiserem pela Internet sem restrições, estaremos contribuindo para a multiplicação do mal através da Internet. Se foi vítima da Internet, denuncie e torne explícita a ocorrência como eu fiz. Se não for, não seja omisso ao ver casos de agressão pela Internet, como hoje faço. A informação é que temos de sobra na própria Internet da qual somos vítimas para realmente torná-la civilizável.

(*) A professora Márcia Gonçalves de Oliveira é especialista em informática e educação e reside em Vila Velha (ES).

MATÉRIA AUTORIZADA EXPRESSAMENTE PELA AUTORA
A PROPRIEDADE INTELECTUAL DOS TEXTOS É DE SUA AUTORA

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