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I R E I T O &
D E F E S A D O C
O N S U M I D O R
0 1
/ N O V E M B R O / 2 0 1 1
STF: Um poder de costas para o país
A Justiça no Brasil vai
mal, muito mal. Porém, de acordo com o relatório de
atividades do Supremo Tribunal Federal de 2010, tudo vai
muito bem. Nas 80 páginas — parte delas em branco —
recheadas de fotografias (como uma revista de
consultório médico), gráficos coloridos e frases vazias,
o leitor fica com a impressão que o STF é um exemplo de
eficiência, presteza e defesa da cidadania. Neste
terreno de enganos, ficamos sabendo que um dos gabinetes
(que tem milhares de processos parados, aguardando
encaminhamento) recebeu “pela excelência dos serviços
prestados” o certificado ISO 9001. E há até informações
futebolísticas: o relatório informa que o ministro Marco
Aurélio é flamenguista.
A leitura do documento é
chocante. Descreve até uma diplomacia judiciária para
justificar os passeios dos ministros à Europa e aos
Estados Unidos. Ou, como prefere o relatório, as
viagens possibilitaram “uma proveitosa troca de opiniões
sobre o trabalho cotidiano.” Custosas, muito custosas,
estas trocas de opiniões. Pena que a diplomacia
judiciária não é exercida internamente. Pena. Basta
citar o assassinato da juíza Patrícia Acioli, de São
Gonçalo. Nenhum ministro do STF, muito menos o seu
presidente, foi ao velório ou ao enterro. Sequer foi
feita uma declaração formal em nome da instituição.
Nada. Silêncio absoluto. Por quê? E a triste ironia: a
juíza foi assassinada em 11 de agosto, data comemorativa
do nascimento dos cursos jurídicos no Brasil. Mas, se o
STF se omitiu sobre o cruel assassinato da juíza, o
mesmo não o fez quando o assunto foi o aumento salarial
do Judiciário. Seu presidente, Cézar Peluso, ocupou seu
tempo nas últimas semanas defendendo — como um líder
sindical de toga — o abusivo aumento salarial para o
Judiciário Federal. Considera ético e moral coagir o
Executivo a aumentar as despesas em R$ 8,3 bilhões. A
proposta do aumento salarial é um escárnio. É um prêmio
à paralisia do STF, onde processos chegam a permanecer
décadas sem qualquer decisão. A lentidão decisória do
Supremo não pode ser imputada à falta de funcionários.
De acordo com os dados
disponibilizados, o tribunal tem 1.096 cargos efetivos e
mais 578 cargos comissionados. Portanto, são 1.674
funcionários, isto somente para um tribunal com 11
juízes. Mas, também de acordo com dados fornecidos pelo
próprio STF, 1.148 postos de trabalho são terceirizados,
perfazendo um total de 2.822 funcionários. Assim, o
tribunal tem a incrível média de 256 funcionários por
ministro. Ficam no ar várias perguntas: como abrigar os
quase 3 mil funcionários no prédio-sede e nos anexos?
Cabe todo mundo? Ou será preciso aumentar os salários
com algum adicional de insalubridade? Causa estupor o
número de seguranças entre os funcionários
terceirizados. São 435! O leitor não se enganou: são
435. Nem na Casa Branca tem tanto segurança. Será que o
STF está sendo ameaçado e não sabemos? Parte destes
abuso é que não falta naquela Corte. Só de assistência
médica e odontológica o tribunal gastou em 2010, R$ 16
milhões. O orçamento total do STF foi de R$ 518
milhões, dos quais R$ 315 milhões somente para o
pagamento de salários.
Falando em relatório,
chama a atenção o número de fotografias onde está
presente Cézar Peluso. No momento da leitura recordei o
comentário de Nélson Rodrigues sobre Pedro Bloch. O
motivo foi uma entrevista para a revista “Manchete”. O
maior teatrólogo brasileiro ironizou o colega: “Ninguém
ama tanto Pedro Bloch como o próprio Pedro Bloch.”
Peluso é o Bloch da vez. Deve gostar muito de si mesmo.
São 12 fotos, parte delas de página inteira. Os outros
ministros aparecem em uma ou duas fotos. Ele, não.
Reservou para si uma dúzia de fotos, a última cercado
por crianças. A egolatria chega ao ponto de, ao
apresentar a página do STF na intranet, também ter
reproduzida uma foto sua acompanhada de uma frase
(irônica?) destacando que o “a experiência do Judiciário
brasileiro tem importância mundial”. No relatório já
citado, o ministro Peluso escreveu algumas linhas, logo
na introdução, explicando a importância das atividades
do tribunal. E concluiu, numa linguagem confusa, que “a
sociedade confia na Corte Suprema de seu País. Fazer
melhor, a cada dia, ainda que em pequenos mas
significativos passos, é nossa responsabilidade, nosso
dever e nosso empenho permanente”. Se Bussunda
estivesse vivo poderia retrucar com aquele bordão
inesquecível: “Fala sério, ministro!”
As mazelas do STF têm
raízes na crise das instituições da jovem democracia
brasileira. Se os três Poderes da República têm sérios
problemas de funcionamento, é inegável que o Judiciário
é o pior deles. E deveria ser o mais importante. Ninguém
entende o seu funcionamento. É lento e caro. Seus
membros buscam privilégios, e não a austeridade.
Confundem independência entre os poderes com autonomia
para fazer o que bem entendem. Estão de costas para o
país. No fundo, desprezam as insistentes cobranças por
justiça. Consideram uma intromissão.
(*) MARCO ANTONIO VILLA é historiador e professor da
Universidade Federal de São Carlos (SP).
Por Marco
Antonio Villa
(*)
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