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P O L Í T I C A
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A G O S T O / 2 0 1 2
Com a palavra, os 11
ministros do STF
Eles decidirão que país teremos ou O "domínio dos
fatos"
Por Reinaldo Azevedo (*)
Não tenho especial prazer em ser chulo — aliás, prazer nenhum, muito pelo
contrário! —, mas também não temo as palavras. Ao Supremo Tribunal Federal
caberá, sim, dizer se cadeia, no Brasil, continua a ser um “privilégio” que
só atende aos três “pês”: pobre, preto e puta. Eu convido os ministros do
Supremo, então, a democratizar a língua do “pê” e a dizer se “político” e
“petista” também podem gozar desse benefício, o que significará acrescentar
um outro “pê”, este sim fundamental: “poderoso”. Então ficamos assim: os
ministros do Supremo dirão se o país que prende, com especial desenvoltura,
“pobre, preto e puta” também tem a coragem de prender “político, petista e
poderoso”. Tem ou não? É o que veremos.
Não, senhores! Eu não tenho, como sabem, a menor disposição para a vendeta
de classes. Quem inventou a era de “Os ricos também choram” foi a Polícia
Federal de Márcio Thomaz Bastos! E quem é Bastos? Hoje, o advogado-estrela
do mensalão, apelidado de “Deus” — deve-se pronunciar o Nome D’Ele em
inglês: “God”. Ainda me lembro da estrepitosa prisão de Eliana Tranchesi em
2005, por exemplo; em 2009, de novo. Nesse caso, mobilizaram-se 40 agentes
da Polícia Federal para pegar a mulher em casa, de camisola. Imaginavam o
quê? Que fosse reagir de arma na mão? Aí o ministro da Justiça já era outro:
Tarso Genro — aquele que deu um jeito de manter no Brasil o assassino Cesare
Battisti. Tranchesi, que morreu de câncer em fevereiro deste ano, foi
condenada a 94 anos de prisão pela Justiça Federal! É claro que a sua
prisão, nas duas vezes, foi um espetáculo midiático, o que não quer dizer,
necessariamente, que não fosse merecida. Ocorre que a ideia, então, era
menos fazer justiça segundo os autos e mais fazer justiça de classe. Uma
empresária foi usada como a Geni do Brasil, enquanto, como é mesmo?, “a
nossa pátria mãe dormia tão distraída, sem saber que era subtraída em
tenebrosas transações”.
As operações espetaculosas da Polícia Federal — que têm a marca Márcio
Thomaz Bastos, reitero — eram engendradas enquanto larápios se ocupavam de
tomar grana do Branco do Brasil, por exemplo, para financiar operações
políticas que eram do interesse do Palácio do Planalto e do petismo.
Atenção! R$ 70 milhões do BB foram parar nas agências de Marcos Valério. Ao
verificar os serviços prestados, encontrou-me menos de 1% do prometido. Era
tudo mentira. Tranchesi sonegou impostos, deixou de arrecadar dinheiro para
os cofres públicos. Tinha de ser punida, sim! — não humilhada, que isso é
coisa de estado totalitário. Já o Banco do Brasil foi roubado, surrupiado.
Esses são os nomes. Mas, claro!, a exemplo dos presos do filme “Carandiru”,
todos são “inocentes”.
Por que escrevo esses parágrafos? Muitos ficaram chocados — “Oh, que
exagero!” — com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, quando ele
pediu, clara e abertamente, a prisão dos protagonistas
do mensalão. É mesmo, é? Por quê? Então estamos tão narcotizados por
essa quadrilha que não podemos nem cogitar a hipótese de que gente que rouba
um banco público para financiar larápios mereça mesmo é cana? Por quê? Um
sonegador deixa de arrecadar — e merece ser punido, sim! Mas um ladrão
subtrai. Um deixa de acrescentar o que deve; o outro tira o que não lhe
pertence.
Disse Roberto Gurgel:
“Confiante no juízo condenatório dessa Corte Suprema e tendo em vista a
inadmissibilidade de qualquer recurso com efeito modificativo da decisão
plenária, que deve ter pronta e máxima efetividade, a Procuradoria-Geral da
República requer, desde já, a expedição dos mandados de prisão cabíveis
imediatamente após a conclusão do julgamento (…). Espera-se a condenação de
36 dos réus e a expedição dos mandados de prisão cabíveis. Em princípio, é
algo que se aplica a todos”.
Que o leitor entenda tudo direitinho. Não estou dizendo que Eliana Tranchesi
não deveria ter arcado com as consequências de seus atos, não! Deveria, sim!
Em 2005, ainda no site “Primeira Leitura”, escrevi um longo texto a
respeito. Eu só estou apontando agora, em 2012, sete anos depois, a grande
ironia: ninguém menos do que Márcio Thomaz Bastos (aquele diante do qual se
ajoelha, retoricamente ao menos, o ministro Ricardo Lewandowski), então
chefe da PF que prendeu Tranchesi naquela megaoperação, é advogado de um dos
acusados do mensalão e o grande esteio da defesa dos réus. Os crimes, sem
sombra de dúvida, existiram. Os advogados tentarão, a partir de
segunda-feira, demonstrar que nunca houve criminosos!
Cadeia, sim! Parabéns a Roberto Gurgel, procurador-geral da República, por
ter tido a coragem de chamar as coisas pelo nome que elas têm.
Chateados
Advogados que defendem os réus, alguns deles com muita penetração no que o
petismo chama “mídia”, encarregaram-se de espalhar a falácia de que a
denúncia de Gurgel é fraca e não traz evidências. Não é verdade! Ao
contrário. Seu relatório foi muito mais consistente do que se imaginava. Os
crimes estão perfeitamente caracterizados — são, na verdade, inegáveis —, e
ele evidenciou, com clareza meridiana, as ocorrências segundo o que se chama
em direito o “domínio dos fatos”.
Em alguns casos, a prova grita. Fim de papo! O sujeito foi lá e sacou a
grana do esquema no banco. “Ah, mas era para pagar dívida de campanha…”
Tanto pior se fosse! Mas poderia ser para comprar leite para os gatinhos “em
situação de vulnerabilidade”, como diriam os esquerdopatas amorosos hoje em
dia. Em outros casos, a prova é menos escandalosa porque deriva da ação mais
sorrateira.
A defesa ficou, na verdade, chateada. Muitos por ali estavam acostumados a
engravidar jornalistas pelo ouvido — “Ó, não há provas, tá?” —, que saíam
por aí a reproduzir a inverdade. Ainda persiste, por exemplo, a falácia de
que prova mesmo, de verdade, só com ato de ofício — um documento assinado.
Não é o que está no Código Penal nem na lógica, já que o profissional da
roubalheira, por óbvio, não assina papel.
Não caiam nessa conversa! A verdade é que a acusação do procurador
surpreendeu os próprios advogados de defesa pela contundência. Do emaranhado
gigantesco de acontecimentos, Gurgel conseguiu chegar a uma narrativa
coerente, recheada de provas, a demonstrar que aquilo a que se chamou
“mensalão” foi o mais ousado esquema de corrupção montado no seio do estado
brasileiro.
Não por acaso, ele abriu o seu texto citando “Os Donos do Poder”, de
Raymundo Faoro. O mensalão é nada menos que um aggiornamento do conhecido
patrimonialismo, agora temperado por seu oposto combinado: o gangsterismo
que se formou para supostamente lhe dar combate. O filme-símbolo do período
que vivemos é “On the Waterfront” — ou “Sindicato de Ladrões”, como ficou
conhecido no Brasil. Quem não viu deve fazê-lo hoje mesmo. Está em todas as
locadoras e deve ser achável na Internet.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar o Banco do Brasil é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se roubar dinheiro público é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se conceder benefícios a um banco privado em
troca de grana é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se comprar parlamentares e partidos com dinheiro
sujo é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se agências de publicidade pagando parlamentares
em nome de um partido é normal.
Os 11 do Supremo vão dizer se pagar em 2003 uma campanha eleitoral feita em
2002, em moeda estrangeira, no exterior, ao arrepio de qualquer controle, é
normal.
Os 11 do Supremo vão dizer, em suma, se a safadeza deve ser tomada como a
medida da normalidade brasileira.
Para tanto, eles têm inteira clareza do domínio dos fatos.
Uma coisa é certa: nenhum deles será esquecido.
O poder petista, à diferença dos diamantes, não é eterno.
Mas a memória histórica é, sim!
Enquanto houver Brasil, haverá os 11 ministros que julgaram os réus do que
se chamou “mensalão”.
(*) Reinaldo Azevedo é colunista da Revista Veja e possui um blog no
endereço eletrônico:
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/tag/mensalao/.
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