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Corrupção
e Pirataria
"Se
os homens são puros, as leis são desnecessárias;
se os homens são corruptos, as leis são inúteis". (Thomas
Jefferson)
O final do
ano se aproxima, trazendo consigo festas e presentes de Natal.
Recentemente, por ocasião do chamado Dia das Crianças, comuniquei a meus dois
filhos, de seis e oito anos, que não haveria presentes de minha parte. Eu os
presentearia unicamente no Natal com o desejado videogame Playstation
2, o qual, dado seu elevado custo,
seria suficiente para nutrir expectativas por várias festividades.
É uma forma de fazê-los compreender o cunho meramente comercial que reveste
determinadas datas. E, mais do que isso, é uma maneira de dotá-los de uma
percepção do valor pecuniário da moeda. É um jeito particular meu de educá-los.
Por exemplo, concedo aos dois uma pequena mesada. Mas não se trata de um bônus
para despesas quaisquer. Trata-se do dinheiro através do qual eles terão que
pagar desde o seu próprio café da manhã, almoço e jantar, quando estão
comigo, até suas opções de lazer. Foi o expediente que encontrei para fazê-los
valorizar o que têm em mãos. Hoje, eles pensam duas vezes entre comprar um álbum
de figurinhas, divertir-se num fliperama e jogar boliche, ou poupar para
adquirir algo que desejam. Decidem até mesmo se um garçom merece 10% pelos
serviços prestados ou não. Mas isso é estória para outra coluna...
Voltando ao videogame, fui surpreendido neste final de semana por uma solicitação
de meu filho mais velho, Gabriel. Disse-me ele:
“Papai, compre o Playstation 1,
por que o número 2 não aceita CD pirata”.
Veja bem, amigos, estamos falando de uma redução em meu investimento da ordem
de R$ 1.200,00 para R$ 400,00. Meus filhos, por sua vez, estão abrindo mão de
um equipamento tecnologicamente mais avançado, com mais recursos e melhor
definição de imagens, em virtude de terem consciência de que um cartucho novo
e original custará cerca de R$ 150,00, enquanto uma versão pirateada do mesmo
poderá ser adquirida pela pechincha de R$ 10,00.
Para um sujeito que estuda o comportamento humano, entre eles aspectos como “ética”,
desnecessário dizer como me sinto diante desta situação. Como um garoto de
oito anos de idade, sem influência de seus pais ou outros adultos, mas tão
somente por conta de seu relacionamento junto a outros garotos da mesma idade,
julga simplesmente natural sua opção por um produto ilegal?
Não tenho respostas. Aliás, não me sinto no direito de censurá-lo por sua
decisão. Estou diante de uma terrível dissonância cognitiva. Sinto-me
desprovido de argumentos capazes de mostrar-lhe que aquilo que lhe parece
correto é errado. Porque o errado, à luz dos fatos, mostra-se a mim como
adequado e plausível.
Ganância
e Bom Senso
Refletindo sobre o assunto, concluí que a pirataria é uma forma de corrupção.
E, sem a pretensão de realizar um estudo sociológico sobre o tema, ocorreu-me
haver duas formas de corrupção. Uma, baseada na ganância; outra, no exercício
do bom senso.
A corrupção calcada na ganância é aquela velha conhecida de todos:
politicamente incorreta, filosoficamente condenável, socialmente detestável.
Opõe o corruptor, agente ativo da ação, responsável pelo despertar do
processo; e o corruptível, o lado passivo, que aceita o objeto do suborno e as
regras do jogo. Seu objetivo é auferir o ganho fácil, transgredindo regras e
leis, se necessário for – e, quase sempre, o é.
Já a corrupção que estou qualificando como baseada no bom senso é uma espécie
de corrupção anárquica, reflexo de nossa tendência em fazer justiça com as
próprias mãos. Consiste numa ação que se insurge quando a fronteira de nossa
tolerância é transposta. E esta linha de fronteira varia de pessoa para
pessoa, de acordo com seus princípios éticos e morais e sua condição sócio-econômica.
Um exemplo clássico é a famigerada indústria das multas de trânsito. Assim,
uma infração leve atualmente apresentará um custo da ordem de R$ 53,20. É um
valor aceitável pela maioria dos cidadãos condutores de um automóvel.
Todavia, uma infração por excesso de velocidade poderá redundar numa fatura
da ordem de R$ 574,62, dobrando em caso de reincidência. A penalidade é a
mesma para o condutor de uma Ferrari ou de um Uno Mille. É também a mesma para
quem, trafegando numa via onde 100 km/h seja a velocidade máxima permitida,
atingir 121 km/h ou 180 km/h. E é parado no acostamento, com o guarda rodoviário
portando seu talão de anotações, que as verdades – e os limites individuais
– se revelam.
Dentro deste contexto, a pirataria é uma corrupção baseada no bom senso, por
parte de quem compra, decorrente da corrupção pela ganância, praticada por
quem vende. Enquanto um game para Playstation custar R$ 150,00, um software da
Microsoft for ofertado “promocionalmente” por mais de
R$ 2.000,00 e um CD de uma banda qualquer, que pode ser baixado em MP3,
for vendido por R$ 35,00, a propagação de produtos ilegais continuará
grassando pelo mundo afora.
A sociedade não está disposta a bancar este superdimensionamento de valor
agregado. Todos sabem o quão pouco custa fisicamente um compact disc.
Todos reconhecem que há um prêmio a ser pago pela tecnologia desenvolvida. Mas
há um limite que não é respeitado pela indústria – porque não é
observado por ela. E é o fabricante o corruptor dentro deste processo. É ele
quem elimina a pureza dos homens, tornando as leis necessárias. E
é ele quem as transgride, tornando as mesmas leis, inúteis.
Gênese
da Corrupção
Não estou aqui como mestre de cerimônias a dizer o que as pessoas esperam e
desejam. Não pretendo ser uma unanimidade, aclamado como sábio por conseguir
representar em palavras o que as cabeças pensam e os corações sentem. Prefiro
instigar a polêmica para que, juntos, possamos compreender melhor este insano
mundo em que vivemos.
André Malraux disse que “O terrorismo é justificável”. Pois eu lhes digo que “A
corrupção é justificável”. A corrupção é, pois, fruto de nossa
própria sociedade, conseqüência de nossas próprias leis, reflexo de nossas
próprias escolhas.
Meu amigo Sérgio Compagnoli comentou-me certa feita que a corrupção está em
nosso sangue, em nossos genes, pois sua gênese está em nossa cultura católica
que nos instiga a rezar alguns versos e terços em troca da salvação de nossa
alma ante os pecados cometidos.
É triste saber que, por força de nossas próprias opções, não mais podemos
ter princípios castos e rígidos. Temos que ser flexíveis o tempo todo, moldar
e ajustar nossas crenças e valores, passando muitas vezes a aceitar o que antes
julgávamos herético.
Creio que vou comprar o Playstation neste natal...
Tom
Coelho
Matéria da 3ª semana de dezembro / 2003
Tom Coelho, com graduação em Economia pela FEA/USP, Publicidade pela ESPM/SP e especialização em Marketing pela MMS/SP e em Qualidade de Vida no Trabalho pela FIA/USP, é empresário, consultor, escritor e palestrante, Diretor da Infinity Consulting, Diretor do Simb/Abrinq e Membro Executivo do NJE/Fiesp. Contatos através do e-mail [email protected]. Visite www.tomcoelho.com.br.
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