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Verdades inconvenientes sobre crescimento sustentado
Por Mansueto Almeida e Alexandre Manoel Ângelo da Silva (*) - 27.04.2010

No período de 2004 a 2008, o Brasil entrou em uma trajetória na qual a taxa de investimento da economia cresceu 11% ao ano, o que indicava, antes da crise do final de 2008, que alcançaríamos uma taxa de investimento de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010. Essa taxa apontava para projeções de crescimento sustentado do PIB superior a 5% ao ano. Apesar dessa trajetória ter sido interrompida com a crise, a boa notícia é que ela parece ter sido retomada já no final de 2009. A má noticia é que nos parece não haver preocupação com o financiamento desse investimento, que é o tema deste artigo.

Há uma tautologia que afirma que poupança é sempre igual ao investimento. A aludida tautologia é a seguinte: Poupança Privada (SP)+ Poupança Pública (SG)+ Poupança Externa (SE) = Investimento (I). Sem querer entrar na discussão do que vem primeiro, se a poupança ou o investimento, averiguamos que a poupança doméstica (Sp + Sg) elevada foi importante para a manutenção dos períodos de crescimento econômico brasileiro nos últimos 40 anos. De fato, os dados sugerem que, quando o Brasil passa a depender de poupança externa para sustentar as taxas de investimento e crescer, prenuncia-se uma crise.

A tabela mostra as taxas de poupança na economia brasileira nas últimas quatro décadas, excluindo a década de 80 e os anos de descontrole da inflação que antecederam ao Plano Real. O primeiro ponto que se destaca é que, no inicio do anos 70, quando a economia brasileira vivia seu "milagre econômico", a poupança total do Brasil estava acima de 21% do PIB, sendo que a poupança pública era expressiva (5,86% do PIB).

Na segunda metade dos anos 70, apesar da crise do petróleo iniciada em 1973, optou-se pela continuidade do uso de poupança externa para financiar o investimento, em um período no qual a poupança pública era decrescente, mas compensada pelo aumento da poupança privada. Com a mudança das condições externas de financiamento, a partir de 1979, em virtude da segunda crise de petróleo e do aumento brutal das taxas de juros americanas, a aposta de crescer fazendo uso de poupança externa (que é equivalente a déficit em transações correntes) acima de 3% do PIB tornou-se inviável e o Brasil entrou no período conhecido como a década perdida.

Uma vez restabelecido o controle inflacionário com o Plano Real em 1994, inicia-se um novo período de otimismo, mas ainda marcado por uma elevada dependência da poupança externa. Essa estratégia associada a uma taxa média de poupança pública negativa, decorrente do forte desequilíbrio fiscal, deixou o Brasil novamente vulnerável às condições de financiamento internacional.

A partir de 2003, tem início um forte crescimento da poupança privada e uma substancial redução dos déficits em transações correntes (diminuição da poupança externa). No entanto, a taxa média de poupança pública negativa limitou a poupança total em 16,47% do PIB, um valor insuficiente para elevar o crescimento do PIB para 5% ou mais ao ano de maneira sustentada.

No presente momento o dilema de como aumentar a taxa de poupança no Brasil está sendo resolvido mais uma vez pelo uso de poupança externa, o que significa que o esforço de crescer mais rápido vai implicar aumento do déficit em transações correntes. Não há uma verdadeira preocupação nem com as contas públicas (habitualmente divulgadas com elevados superávits primários recheados de artifícios contábeis) nem com a criação de incentivos para se elevar a poupança privada, totalmente desdenhada com o alijamento da agenda microeconômica (novamente esquecida ou perdida) do discurso das autoridades econômicas.

Em 2008, o déficit em transações corrente foi US$ 28,3 bilhões (1,78% do PIB), e não foi maior porque os efeitos da crise internacional derrubaram o nível de investimento no último trimestre de 2008. Neste ano, tudo indica que o Brasil esteja retomando a trajetória de crescimento pré-crise e novamente caminhando para uma taxa de investimento próxima a 21% do PIB, sem que haja preocupação com o aumento da poupança doméstica (pública mais privada), que tem sido o grande gargalo em nossa história recente. Em 2010, estima-se um déficit em transações corrente já acima de 2,5% do PIB, sem previsão de reversão nos anos seguintes.

É fato que alguns países, como a Austrália, crescem há mais de duas décadas com o uso de poupança externa (déficit em transações correntes), mas é também verdade que esse modelo "Australiano" requer, entre outras coisas, que os riscos privados não sejam assumidos pelo setor público, ou seja, que a dívida privada não se transforme em dívida pública em épocas de crise. Contudo, tanto nos anos 70 quanto no ano passado decisões privadas erradas foram estatizadas. Nos anos 70, o setor público assumiu o elevado endividamento privado externo e arcou com o aperto monetário internacional e, no caso mais recente, o BNDES com "empréstimos" do Tesouro Nacional socorreu empresas que tiveram problemas com derivativos cambiais.

Nossas autoridades econômicas estão fazendo aposta similar à dos anos 70, em condições de crescente incerteza, pois há expectativa de um novo ciclo de aumento da taxa de juros internacional decorrente do crescente endividamento dos países desenvolvidos. Dado esse cenário externo de incerteza e dadas as dificuldades em se aumentar rapidamente a taxa de poupança privada, não seria prudente aumentar a taxa de poupança pública em vez de novamente adotar uma estratégia de risco?.

(*) Mansueto Almeida e Alexandre Manoel Ângelo da Silva são economistas e técnicos de planejamento do IPEA.

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